É com entusiasmo visível que Leanne Elliot Young fala sobre tecnologia e moda. Mundos diferentes, mas que podem ser cada vez mais próximos. Prova disso é o projeto que a empreendedora britânica fundou em 2020, juntamente com Catty Tay: o Institute of Digital Fashion (IdDF), que trabalha em soluções e estratégias digitais para tornar a moda mais inclusiva, sustentável e acessível – desde o momento da criação até à compra. Pré-avaliado em 25 milhões de euros, o IdDF tem trabalhado com várias marcas globais, desde a Balenciaga à Nike e H&M, na criação de peças e projetos que desafiam as normas e o sistema da moda convencional e que, acima de tudo, chegam a todos.
Eleita em 2023 a “Mulher nº1 na Web 3 Europa”, Leanne Elliot Young defende que é preciso reestruturar o sistema arcaico e fechado em que a moda se encontra ao dar espaço e oportunidades a todos, com alternativas fora do modelo tradicional. O IoDF conta já com seis inovações mundiais a nível digital, incluindo a produção do primeiro avatar duplo digital não binário, com a Daz3D. À Forbes, e depois de ter estado na Women in Tech Porto Summit, a empreendedora recorda o seu trajeto e explica o que é isto da moda digital (que não é um simples filtro no telemóvel) e como, acima de tudo, luta para democratizar a indústria da moda.
Sempre teve o objetivo de fazer algo relacionado com moda e tecnologia? Quando é que começou o percurso nestas áreas?
Quando concluí o mestrado comecei a trabalhar em experiências de curadoria artística e na altura trabalhamos com a Nike, que é muito orientada para a tecnologia. O trabalho que entregamos atualmente no IoDF é sobre tecnologia, mas também sobre comunidade e penso que foi isso que retirei da minha experiência na Nike ao longo de dez anos. Tudo isso fez-me entender o que significa construir um produto e fazer questões sobre ele. Enquanto estive lá tive também a oportunidade de trabalhar com talentos fenomenais. Acho que foi aí que tudo começou. Sempre tive muito interesse na nossa cultura atual: arte, moda, música, desporto, e, obviamente, a tecnologia sempre representou um grande papel nisso.
E como chegou à ideia de criar um instituto de moda digital?
Comecei a navegar mais profundamente neste mundo quando fui trabalhar para uma empresa de moda tecnológica. Sempre gostei de apreciar a forma como as pessoas interagem com a tecnologia em espaços sociais, como as sociedades progridem com a tecnologia e como podemos aprender e trabalhar com isso. E acho que na moda, particularmente, é muito interessante ver como a tecnologia permite ver o que nunca foi visto: as redes sociais permitiram a toda a gente ver os desfiles de moda, que antes eram muito restritos e onde só algumas pessoas viam a coleção para que escrevessem sobre ela. E, de repente, este mundo abriu-se.

Quando me mudei para Londres tive a sorte e o privilégio de conhecer muitos designers de moda – Alexander McQueen, Jennifer Saunders, Richard Nicoll, o meu melhor amigo Anthony Rawson-Campbell – e já tinha um sneak peak dos estúdios e do mundo deles. E quando, de repente, as redes sociais explodiram, toda a gente pôde ver isto e tornou-se espetacular. É muito interessante ver como a tecnologia mudou tanto a indústria da moda. Antes era mais ou menos assim: aqui está o desfile, mostramos à imprensa, depois fazemos uma campanha e essa campanha conta a história aos clientes e eles compram. E entre esses passos todos passavam meses. Achei tão interessante como a tecnologia teve um papel para abrir isto tudo. E, claro, toda a conversa sobre sustentabilidade também é essencial. Interessa-me muito ver como todas estas camadas da tecnologia se relacionam e os benefícios para melhorar a transparência, o trabalho a nível do design — basicamente é quase como ter um estúdio na ponta dos dedos.
Quando me mudei para Londres tive a sorte e o privilégio de conhecer muitos designers de moda – Alexander McQueen, Jennifer Saunders, Richard Nicoll, o meu melhor amigo Anthony Rawson-Campbell – e já tinha um sneak peak dos estúdios e do mundo deles. E quando, de repente, as redes sociais explodiram, toda a gente pôde ver isto e tornou-se espetacular. É muito interessante ver como a tecnologia mudou tanto a indústria da moda. Antes era mais ou menos assim: aqui está o desfile, mostramos à imprensa, depois fazemos uma campanha e essa campanha conta a história aos clientes e eles compram. E entre esses passos todos passavam meses. Achei tão interessante como a tecnologia teve um papel para abrir isto tudo. E, claro, toda a conversa sobre sustentabilidade também é essencial. Interessa-me muito ver como todas estas camadas da tecnologia se relacionam e os benefícios para melhorar a transparência, o trabalho a nível do design — basicamente é quase como ter um estúdio na ponta dos dedos.
Foi nessa altura que reparei no trabalho da minha co-fundadora, a Catty Tay, que estava a criar produtos digitais incríveis, que se mexiam sem qualquer corpo dentro deles. Começamos a questionar o bom e mau da tecnologia. Estivemos, por exemplo, num painel na London Fashion Week e falamos do Metaverso, esta ideia dos “digital assets”, como podem viver em jogos, como podem ser utilizados em corpos de avatares, filtros, realidade aumentada, etc. Toda a gente achou que estávamos loucas. Percebemos que precisávamos de criar algo, o IoDF, que permitisse às pessoas verem como a tecnologia é uma ferramenta para fazer o bem — como permite criar mais diversidade, mais inclusão, mais sustentabilidade. Começamos a criar soluções para designers e também para marcas de luxo e o negócio cresceu.

O Institute of Digital Fashion nasceu em 2020, em plena pandemia, certo?
Sim, o nosso primeiro projeto aconteceu mal a pandemia chegou. A London Fashion Week desse ano foi digital e os designers estavam a pensar no que iriam fazer e como podiam fazer coisas digitais. Sentiram muita pressão. Já tinham o Brexit, depois a Covid-19 e não faziam ideia do que iria ser o mundo da moda. Quisemos ajudá-los a falar sobre isso e usar a tecnologia para falarem sobre os problemas naquele momento. Fizemos cartazes e flyers em Londres e criamos um espaço digital que recriava uma loja de roupa. Através de realidade aumentada, as pessoas faziam scan dos cartazes e entravam nessa loja virtual. Foi uma forma de democratizar a Fashion Week, porque toda a gente podia aceder, olhar à volta e em vez de ter apenas a coleção final, tinha também os bastidores, os trabalhos dos designers e um espaço com as opiniões de cada um sobre o futuro da indústria. Porque ninguém sabia o que ia acontecer. Essa foi a forma que utilizamos para começar o nosso trabalho, para criar uma rede de suporte para os designers emergentes fazerem algo melhor e maior para eles.
Penso que a grande questão da tecnologia no mundo da moda é que a moda e a tecnologia não costumam funcionar bem. A moda é muito presa nas suas formas, nas suas rotinas, todo o sistema é muito regimentado e a tecnologia é rápida, muda constantemente, cria novos sistemas e há um feedback constante dos clientes para testar e alterar. Na moda não há isso. Fazemos e se não gostarem fazemos simplesmente outra coisa na próxima época. Além disso, as pessoas que fazem boa tecnologia não sabem como falar com os criativos do mundo da moda.

Há alguma resistência?
Sem dúvida. E, por isso, quisemos ser a ponte entre estes dois mundos. Criamos, inclusive, uma academia gratuita para pessoas que nem pensavam em entrar e explorar o mundo da moda. Vemos a tecnologia como uma ferramenta democrática para a mudança para um mundo melhor. Esse é o nosso grande objetivo.
Para quem não está tão dentro do assunto, o que é isto da moda digital?
As pessoas pensam que a moda digital é um filtro no telemóvel. Não é um filtro de realidade aumentada onde tentamos fazer moda e ficamos todos nús fisicamente. A roupa é roupa. E há casos de uso para o digital na indústria da moda. O que se tornou muito confuso é que muita gente pensava que o que estávamos a dizer às pessoas que não precisam de roupa, para usarem a moda digital.
A tecnologia é uma camada e pode contar histórias. Podem fazer scan da vossa roupa e ver de onde ela vem e quem a fez, podem talvez ter um vídeo de alguém a contar mais sobre a roupa. A moda digital está na produção, no design… funciona desde a fase do estúdio até à fase da compra. Significa que podem ver diferentes materiais num esboço, com software simulador que permite ver perfeitamente como a roupa é, de formas que fisicamente não seria possível. É muito mais sustentável e permite uma maior criatividade.

O que o software faz é democratizar tudo isto. Significa que podes criar livremente e rapidamente, com acesso a tudo. Podem usar, por exemplo, a moda digital nos websites para criar um duplo digital do vestuário e experimentá-lo em 17 cores diferentes, ao invés de ter de fazer uma cópia, enviá-lo para outro país, experimentá-lo, etc. Se olharem para a indústria dos relógios e dos perfumes, eles fazem isto há anos: usam imagens geradas por computador. E a moda digital é isso: imagens geradas por computador. Outro caso de uso é o lado mais criativo e entusiasmante do gaming.
O que queremos fazer é pegar nas ferramentas todas, juntá-las e através de vários casos de uso mostrar como podem ser usadas não apenas para um setor mais restrito, mas para toda a gente, inclusive para os designers emergentes terem as ferramentas necessárias. Porque são eles que vão usá-las e tornar a moda melhor. Criamos vários avatares: não-binários, de várias cores, com vários tamanhos. Trabalhamos para que a tecnologia seja diversa e inclusiva. Para nós sempre foi sobre pessoas e comunidade e sobre como a tecnologia pode ser a estrada democrática para a mudança.
Como é que a tecnologia consegue ajudar a tornar o mundo da moda mais inclusivo? A presença de mulheres neste mundo tecnológico ainda é insuficiente?
O que tenho falado mais quando estou nos grupos com mulheres, como a Women in Tech, é o quão empoderador é estar com mulheres, especialmente nesta altura em que as mais jovens sentem que podem também ser empreendedoras por causa destas redes de contacto. Em todos os eventos em que estive fiquei surpreendida com a energia que se sente na sala. A ideia de possibilidades é incrível. Tive pais incríveis que me apoiaram em todas as minhas ideias loucas, mas acho que para algumas pessoas, sobretudo da minha idade, podem não ter tido esse apoio e, por isso, quando vejo estas jovens que simplesmente vão à luta é muito inspirador.

Estamos agora a construir uma plataforma para os designers e estamos a angariar financiamento para isso. Isso exige estar numa sala com maioritariamente homens brancos e mais velhos e é tão diferente. Nunca me senti objetificada nem tive maus momentos, mas a diferença de poder é tão grande nestes momentos. E senti muito isso. É difícil, como mulher, angariar financiamento. As startups fundadas por mulheres representaram apenas 2% ou menos do financiamento de capital de risco no Reino Unido. É de loucos. E acredito muito no trabalho da Women in Tech e também no trabalho do Institute of Digital Fashion em celebrar pessoas de diversos contextos para se sentirem empoderadas em trabalhar nestes novos espaços, como a tecnologia.
Como é que imagina a moda e a tecnologia daqui a 10 anos?
O maior problema é o silêncio em que cada um trabalha. Não há partilha local e global, porque há segredos escondidos na produção, no ciclo, nas marcas de luxo. Hoje em dia já vemos muita exposição, porque a tecnologia está a permitir-nos ver tudo. Penso que as pessoas estão interessadas na sustentabilidade, especialmente as gerações mais novas. A revenda vai ser massiva, claro. O blockchain vai permitir isso e também a verdadeira produção sustentável, porque vamos ter mais pessoas a investigar o que se passa. A tecnologia vai ser a solução mais óbvia para isso. Ter um duplo digital de cada produto para poder ver onde está, onde esteve e o que o compõe. Isto já acontece na indústria automóvel, onde podem ver tudo sobre o produto e por todas as fases que passou, e acho que isso tem de acontecer na indústria da moda.