Emma Wheeler é diretora executiva na UBS Global Wealth Management e responsável pelo programa Women’s Wealth, criado em 2017 com o objetivo de dotar as mulheres de confiança financeira. Licenciada em Inglês e Literatura Clássica, na Universidade de Londres, esta especialista liderou uma mudança de comportamento dentro do negócio da gestão de património, permitindo que as preferências das mulheres fossem tidas em conta neste serviço. A especialista está hoje em Portugal para participar, nos escritórios do UBS, numa sessão interativa sobre a construção da inteligência emocional da riqueza e conversas no seio das famílias. O banco UBS tem presença em Portugal desde 2013 e é liderado por Carlos Santos Lima, country head. Em 2023 comprou a operação portuguesa do Credit Suisse, e tem atualmente uma equipa especializada de mais de uma dezena de pessoas.
Membro do Council for Investing in Female Entrepreneurs, conselho consultivo projetado para desbloquear o empreendedorismo feminino no Reino Unido, Emma Wheeler tem estado sempre ligada a estas temáticas. Em 2021, liderou um grupo de pares para criar o Invest in Women Hub, um portal online para fundadoras em estágio inicial para apoiar o crescimento dos negócios, e lançou também, nesse mesmo ano, o Prémio Fundadora Feminina da UBS e o Project Female Founder um programa acelerador para apoiar fundadoras em fase inicial a nível global com preparação para investidores e construção de redes.
Em entrevista à Forbes Portugal, revela que as mulheres ainda não investem ao mesmo ritmo do que os homens, mas que deverão controlar cerca de metade da riqueza mundial, após o processo chamado de a grande transferência de riqueza. Alerta ainda que as mulheres empresárias recebem menos financiamento do que os seus homólogos masculinos, e que se participassem em pé de igualdade com os homens empresários, o PIB mundial poderia aumentar entre 3% a 6%.
Qual foi o seu principal objetivo ao criar o Programa Women’s Wealth e que desafios motivaram esta necessidade?
Em 2014, tornou-se claro para nós que o rosto da riqueza estava a mudar com o aumento da propriedade e do controlo da riqueza pelas mulheres. Há mais de uma década que auscultamos as nossas clientes femininas para perceber melhor as suas abordagens ao investimento e a forma como estas diferem das dos homens. O objetivo era, e continua a ser, servir melhor as necessidades financeiras das mulheres e assim promover uma mudança mais ampla no sector dos serviços financeiros para as mulheres.
“Em 2025, 35% do total do património privado do mundo estará nas mãos das mulheres e está a crescer mais rapidamente do que no caso dos homens”, refere Emma Wheeler.
Também nos foi possível constatar que as mulheres continuavam insatisfeitas com a forma como o aconselhamento em matéria de património é prestado, afirmando que os seus consultores não se preocupam com elas ou não as compreendem. E por isso tivemos de garantir que a nossa comunidade de consultores compreende a necessidade de uma abordagem diferente e da importância da mesma para continuarmos a ser prestadores de excelência de aconselhamento em património a todos os nossos clientes, independentemente do género.
Qual é a importância deste mercado para o vosso negócio?
Este facto é comercialmente significativo para todas as sociedades gestoras de património, uma vez que sabemos que, em 2025, 35% do total do património privado do mundo estará nas mãos das mulheres e que está a crescer mais rapidamente do que no caso dos homens. Cada vez mais, as mulheres detêm e controlam a riqueza enquanto empresárias, líderes empresariais, herdeiras e quando se tornam solteiras, como viúvas e divorciadas. As estatísticas da grande transferência de riqueza, ou seja, o desvio demográfico da riqueza dos baby boomers para os millennials nos próximos 25 anos, mostram que as mulheres vão provavelmente herdar pelo menos 50% dessa riqueza (estimada entre 84 e 129 biliões de dólares norte-americanos) só nos Estados Unidos. Estes dados, aliados ao facto de as mulheres tenderem a viver mais tempo do que os homens e de se manterem cada vez mais solteiras, significam que as mulheres acabarão por controlar uma riqueza significativa. Trata-se de uma mudança nunca vista nas nossas vidas nem na vida dos nossos avós.
Mas porque é fundamental acompanhar as mulheres nesta transferência de riqueza?
Devido aos estereótipos de género estabelecidos pelas gerações anteriores, em que os homens geriam tradicionalmente as decisões de investimento, as mulheres nem sempre participaram nestas conversas e algumas continuam nessa situação, embora haja indicações gratificantes de que as mulheres millennials e da Geração Z estão a mudar a situação.
“Atualmente, a nível mundial, um terço da nossa base de clientes é constituída por mulheres e o nosso enfoque estratégico consiste em aumentar este número, tendo em conta as estatísticas”.
A pandemia teve uma vertente positiva neste aspeto, uma vez que as mulheres procuraram mais precaução, o que as levou a rever a sua situação financeira e a tomar medidas para investir para além dos seus planos de reforma. Vemos exemplos drásticos desta mudança em diferentes regiões do mundo, como no Médio Oriente, onde o desbloqueamento das restrições impostas às mulheres levou inúmeras mulheres a quererem assumir o controlo dos seus próprios bens e do seu futuro financeiro. Atualmente, a nível mundial, um terço da nossa base de clientes é constituída por mulheres e o nosso enfoque estratégico consiste em aumentar este número, tendo em conta as estatísticas.
Quais as diferenças entre a forma como os homens e as mulheres gerem a sua vida financeira?
A nossa investigação inicial, em 2017, mostrou-nos que as mulheres enfrentam um percurso de vida financeira diferente do dos homens. Isto pelas disparidades salariais entre homens e mulheres, o facto de se ausentarem do trabalho para terem filhos, de trabalharem com flexibilidade, de viverem mais tempo do que os homens (5 anos, em média) e de não terem confiança financeira para investir com uma tolerância ao risco adequada para compensar as disparidades que persistem. Demonstrámos que, se as mulheres investirem bem, com confiança, consciência e conhecimentos, podem colmatar as disparidades de riqueza entre os géneros no final do percurso de uma mulher, em comparação com o percurso de um homem. A boa notícia é que, se uma mulher na casa dos quarenta e cinquenta anos investir bem, pode reduzir significativamente essas disparidades, mas o ónus está em começar cedo e beneficiar dos juros compostos.
“Demonstrámos que, se as mulheres investirem bem, com confiança, consciência e conhecimentos, podem colmatar as disparidades de riqueza entre os géneros”, diz a especialista.
A nossa investigação também revelou que as mulheres precisavam de participar nas decisões financeiras de longo prazo nos seus relacionamentos e famílias, de modo a não ficarem sozinhas a determinada altura das suas vidas, tendo de assumir uma responsabilidade financeira, sem terem as competências e a compreensão de como moldar o seu futuro financeiro. Para dar resposta a esta necessidade, para além de integrarmos estes tópicos através da publicação de estudos para que todos os pudessem ler, também estávamos cientes de que não conseguiríamos promover um crescimento sustentável junto das nossas clientes femininas se não formássemos os nossos consultores de património para que compreendessem que é necessária uma abordagem diferente.
As mulheres são menos propensas a investir do que os homens? Ou têm um perfil mais conservador?
Sabemos, agora, que há três diferenças globais para as mulheres enquanto investidoras. Primeiro, as mulheres pensam na riqueza em termos de segurança e de alcançar determinados objetivos ao longo da vida e, enquanto investidoras, continuam empenhadas em atingir esses objetivos com um plano a longo prazo. Temos uma estratégia de planeamento financeiro que se enquadra bem nesta abordagem, a UBS Wealth Way, que nos permite ter conversas sobre objetivos a curto, médio e longo prazo ou sobre “liquidez”, “longevidade” e “legado”.
Em segundo, as mulheres apreciam particularmente os conselhos holísticos de confiança dos seus conselheiros, precisando de saber que eles compreendem esses objetivos e o que isso significa para as suas famílias e para os seus filhos, se os tiverem. Isto é mais importante do que para os homens e é significativo porque a nossa pesquisa sobre o feedback das clientes mostra que as mulheres são mais fiéis enquanto clientes.
Por fim, as mulheres optam por investir de acordo com os seus valores, e investir através de uma lente de sustentabilidade e impacto é importante. Investem com maior tolerância ao risco se puderem ver um resultado social positivo dos seus investimentos. Não obstante, não o fazem em detrimento do retorno financeiro.
Quais as principais características das investidoras femininas?
Ao aconselhar as mulheres, há várias considerações fundamentais para garantir que o aconselhamento que recebem é adequado. Não são avessas ao risco, mas antes conscientes do risco, tomando decisões de risco calculadas com base em factos. Quando as mulheres investem, a sua tolerância ao risco é semelhante à dos homens. As mulheres são investidoras menos emocionais do que os homens, pensam a mais longo prazo, negoceiam com menos frequência e reagem menos às baixas do mercado. Quando investem ativamente, são investidoras diligentes e, por estes motivos, as suas carteiras têm frequentemente um desempenho superior.
“As mulheres não são avessas ao risco, mas antes conscientes do risco, tomando decisões de risco calculadas com base em factos. Quando as mulheres investem, a sua tolerância ao risco é semelhante à dos homens.”
Podemos categorizar as mulheres investidoras como diferentes tipos de clientes, assegurando que ajustamos os nossos conselhos em conformidade. As mulheres são muitas vezes o canal para a conversa com as crianças sobre o propósito da riqueza e para garantir que as crianças aprendem e modelam bons hábitos básicos em matéria de dinheiro desde tenra idade. Por outro lado, as mulheres tendem a ter falta de confiança financeira, pelo que é importante apoiar a educação financeira para reforçar a confiança.
Quais são as principais barreiras e desafios que ainda existem no que respeita à riqueza das mulheres?
Acreditamos que temos o dever de definir a agenda e de apoiar as mulheres investidoras a serem ativas, uma vez que existe claramente uma oportunidade económica. As mulheres ainda não investem ao mesmo ritmo do que os homens, mas, se o fizessem, acrescentariam 3,22 biliões de dólares de capital de investimento e 1,87 biliões de dólares seriam canalizados para a sustentabilidade e o impacto.
O nosso posicionamento tem-se centrado na publicação de estudos e na partilha de ferramentas que nos permitam partilhar com clientes e potenciais clientes a nossa compreensão das diferentes necessidades financeiras das mulheres e a melhor forma de as servir. Partilhamos esta investigação publicamente e a nível global para tentar promover uma mudança mais ampla no sector dos serviços financeiros, para que as mulheres tenham maior escolha em termos de aconselhamento.
Por isso os principais desafios são: a prestação de aconselhamento personalizado para as mulheres em matéria de riqueza; incentivar as mulheres a tomarem medidas para ganhar confiança financeira e começar a investir; e garantir que as mulheres participam nas conversas no seio da família, e assim quebramos o tabu em torno do dinheiro e falamos sobre ele.
Hoje em dia, há mais mulheres empresárias e mais milionárias self made no mundo. O que levou a este crescimento?
O número de mulheres empresárias está a aumentar em todo o mundo, mas muitas mulheres continuam a enfrentar obstáculos significativos à criação das suas próprias empresas (o principal crescimento regista-se nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Europa). Se as mulheres empresárias participassem em pé de igualdade com os homens empresários, o PIB mundial poderia aumentar entre 3% e 6%, impulsionando a economia mundial em 2,5 a 5 biliões de dólares norte-americanos. A nível mundial, as mulheres empresárias recebem menos financiamento do que os seus homólogos masculinos.
Ainda existe uma grande desigualdade de género no acesso ao financiamento, mas estudos mostram que as mulheres geram mais dinheiro para os acionistas…
Chamamos-lhe a disparidade de financiamento: globalmente, as mulheres empresárias recebem menos financiamento do que os seus homólogos masculinos. Esta realidade é ainda mais acentuada para as mulheres de cor e para as que vivem em países em desenvolvimento, e tem um custo elevado para os esforços de paridade de género. Como resultado desta discrepância de financiamento, as mulheres empresárias não têm oportunidades iguais para inovar e criar empresas de sucesso que possam contribuir para a economia global.
“As mulheres ainda não investem ao mesmo ritmo do que os homens, mas, se o fizessem, acrescentariam 3,22 biliões de dólares de capital de investimento e 1,87 biliões de dólares seriam canalizados para a sustentabilidade e o impacto”, diz Emma Wheeler.
Além disso, há uma abundância de provas que sugerem que as mulheres empresárias, que recebem financiamento, desenvolvem empresas que apresentam um desempenho tão bom, ou mesmo melhor, do que os seus homólogos masculinos, o que sugere que os investidores estão a perder oportunidades de investimento atrativas: em média, as mulheres geram 78 cêntimos de receita por dólar, em comparação com 31 cêntimos para os homens.
O nosso artigo do CIO de 2021, The Funding Gap, permitiu-nos integrar este tópico a nível global e levou-nos a lançar o nosso programa UBS Female Founders, em colaboração com a nossa carteira de risco e inovação, UBS Next. Lançámos então um programa acelerador global, o Project Female Founder e um programa de prémios, o Female Founder Award.
Como podemos então combater os estereótipos de género nesta temática?
O combate à disparidade de financiamento não deve ser visto apenas como obrigação moral, mas também como uma grande oportunidade inexplorada para os investidores e um potencial impulso para a economia. Devem ser envidados todos os esforços para eliminar os preconceitos existentes. Num primeiro passo, é preciso ter uma maior consciência da disparidade de financiamento e tornar claras as deficiências e os custos de oportunidade envolvidos. Neste contexto, uma maior transparência em torno da disparidade de financiamento é um primeiro passo fundamental para resolver o problema. O passo seguinte consiste em identificar e partilhar soluções para reduzir esta disparidade, por exemplo, compreendendo melhor as razões subjacentes à sua existência e tomando medidas para eliminar os preconceitos e nivelar as condições de concorrência. Parece ser fundamental combater os preconceitos que existem durante o processo de financiamento de capital de risco e incentivar os capitalistas de risco a contratarem mais mulheres investidoras.
“(…) Os investidores estão a perder oportunidades de investimento atrativas: em média, as mulheres geram 78 cêntimos de receita por dólar, em comparação com 31 cêntimos para os homens.”
Devido aos diferentes graus de acesso às redes, que é um fator determinante para o êxito no processo de financiamento, é igualmente importante promover as relações entre as mulheres empresárias e os investidores, bem como outras partes interessadas importantes. A cobertura mediática desempenha um papel importante na divulgação de empreendimentos empresariais de sucesso, em especial quando as empresárias conseguem inspirar outras mulheres a embarcar num percurso de empreendedorismo e ajudam-nas a acreditar no seu potencial, contribuindo também para reduzir a associação do empreendedorismo a uma atividade dominada pelos homens. Por último, todos nós podemos refletir sobre a forma como os nossos preconceitos, conscientes e inconscientes, se propagam e, ao reconhecermos as nossas próprias falhas, podemos contribuir para corrigir os erros e apoiar melhor as mulheres no seu percurso empresarial.