Álvaro Covões: “A nossa prioridade devia ser incentivar a criação de hábitos culturais. Porque é fixe ler um livro, é ótimo ir ver um espetáculo”

Chegou mais uma edição do NOS Alive e com ela o Passeio Marítimo de Algés volta a encher de artistas, festivaleiros e muita música. A pouco mais de uma semana do início do festival, a Forbes Portugal falou com Álvaro Covões, diretor do NOS Alive e fundador da Everything Is New, sobre a edição de…
ebenhack/AP
Arranca esta quinta-feira a 16.ª edição do NOS Alive.
Líderes

Chegou mais uma edição do NOS Alive e com ela o Passeio Marítimo de Algés volta a encher de artistas, festivaleiros e muita música. A pouco mais de uma semana do início do festival, a Forbes Portugal falou com Álvaro Covões, diretor do NOS Alive e fundador da Everything Is New, sobre a edição de 2024 e alguns dos temas que marcam a agenda cultural: como os apoios do governo, o preço dos bilhetes e os hábitos dos portugueses.

Quais são as expetativas para esta edição do NOS Alive?
É sempre que corra tudo bem. São praticamente 100 espetáculos, no conjunto de três dias e em sete palcos. Esperamos ter casa cheia nos três dias, portanto, o que pensamos é que isto seja mais um momento inesquecível. Este tipo de experiências ficam na memória de muita gente durante muito tempo, não só de quem está a trabalhar, mas também de quem vem assistir.

Já têm um dia esgotado, como é que estão as vendas dos outros dias?
Está bem. No conjunto dos três dias, estamos em 94% de ocupação. Temos um segundo dia quase esgotado e um terceiro que esperamos que chegue lá, ainda faltam 10 dias.

Como é que é o processo de definir o line-up do festival? São nomes que vocês já têm na cabeça, oportunidades que surgem?
É um misto de tudo. Obviamente que os artistas que têm novos trabalhos, são aqueles que normalmente estão disponíveis e vão para a estrada. Mas, por exemplo, nós ainda não começámos a edição de 2024 e já estamos a trabalhar no alinhamento de 2025 e até de 2026. há uma programação que está diretamente relacionada com isso, são artistas que vão lançar trabalho, que estão a planear ir para a estrada, e já estão a querer marcar no calendário os locais por onde vão passar. E como o NOS Alive atingiu este patamar de estar no circuito dos grandes festivais europeus ou mundiais, este fim de semana, segundo sábado de julho, há uma presença obrigatória em Espanha, seja em Bilbau ou em Madrid, e aqui, na área metropolitana de Lisboa.

O Alive atrai muito público estrangeiro, isso foi um posicionamento vosso?
Sim. Os grandes festivais europeus, em países com população idêntica à nossa, têm uma percentagem de estrangeiros muito forte. E porquê? Um país como a Bélgica tem uma centralidade europeia, é mais fácil chegar lá. Mas, de facto, isso chamou a atenção que fazia sentido desenvolver, quando começámos o projeto em 2007, e eu comecei a fazer festivais em 1995, portanto, foi um trabalho com muitos anos. Fazia sentido não fazer um festival muito igual aos outros, mas um festival que pudesse entrar no roteiro dos grandes festivais mundiais, e, acima de tudo, que fosse um festival que também cativasse muitos estrangeiros. E foi a partir daí, porque somos uma população pequena, com o poder de compra que tem, que começámos a esgotar. Este ano já estamos com 71 nacionalidades, incluindo a portuguesa.

E quais são as nacionalidades mais presentes neste ano?
Reino Unido e Espanha. Depois, três países que também estão muito fortes: a Alemanha, França e Itália. Mas depois vem de tudo. Entre 100 e 200 pessoas da Austrália, cerca de 100 da Nova Zelândia, da América do Sul, da Ásia, da África. Vem gente de todo o lado.

O quão grande é o investimento para uma edição do festival?
O nosso é 12 milhões de euros. Não é aquele truque de campanhas a preço de tabela, são 12 milhões de euros de despesas. No topo tinha que se juntar muito investimento que depois as empresas fazem a decorar as suas áreas, mas não temos conhecimento desse valor. E é pesado. Fazemos seguros e é muito interessante sentir que, da companhia de seguros, o nosso orçamento está ao nível dos grandes festivais, ou até mais alto que os grandes festivais europeus, o que é bom sinal. Significa que estamos a fazer algo. É um festival português, sem querer fazer crítica a ninguém, mas é um festival português que está no patamar dos grandes eventos mundiais.

A Everything is New tem uma faturação superior a 50 milhões de euros, que percentagem desse montante resulta do NOS Alive?
É um fator importante, no ano passado tivemos muitos eventos grandes, como The Weekend, Harry Styles, os quatro Coldplay, aí desequilibra muito, mas, normalmente, nós estamos na casa dos 30%, 40%. Pela dimensão, não é? Nós fazemos muitos espetáculos. Porque aqui não se pode ver as coisas assim, mas o nível de faturação, o nível de bilhetes vendidos.

De que forma é que os dias de NOS Alive influenciam a economia portuguesa?
Há uma teoria que nos eventos multiplica-se por cinco o efeito económico do seu investimento. É uma teoria que temos nos eventos corporativos. E, de facto, temos vários estudos que têm apontado para isso, que tem um impacto de 60 milhões de euros. Mas isto é tudo muito relativo. O que me parece que é o mais importante são os estudos, e este ano vamos fazer um estudo novo com a Universidade Católica, que nos interessa muito porque quando falamos de turismo, a estadia média de um turista em Portugal é de 2,3 dias. É pouquíssimo. Aliás, há pouco tempo falava com alguém da política por causa da preocupação do aeroporto e que isso seria um problema para o crescimento. E eu disse que se calhar temos uma alternativa porque se passar de 2,3 para 4,6 podemos trazer o dobro das pessoas, porque elas ficam cá mais tempo e ficando cá mais tempo, não estão a ocupar os aviões. Se for de dois em dois dias, só dá um número de pessoas, se for de quatro em quatro dias, dá o dobro das pessoas. Porque os aviões continuam a aterrar todos os dias, é o mesmo número de aviões. Portanto, a solução que é uma coisa que pouca gente fala no turismo, devia passar obrigatoriamente por aumentar a estadia média, isso iria resolver o problema para já, enquanto não há novo aeroporto.

Nesta tipologia de eventos, e todos os estudos têm demonstrado, 80% dos estrangeiros que nos visitam ficam cinco dias ou mais. Portanto, é com esta tipologia de conteúdos que se pode fazer aquilo que era o objetivo de prolongar a estadia. Um fator muito interessante é que 6% dos portugueses na edição de há dois anos era a primeira vez que vinham a Lisboa. Essa é a que eu não estava à espera. Os estrangeiros é um número imenso, muito grande, mais de 80% é a primeira vez que vêm a Portugal, mas isso é normal. Agora, encontrar portugueses que nunca vieram a Lisboa num país deste tamanho. Lá estão, não há comboios.

Quais são as melhores memórias que o Álvaro destes anos todos de NOS Alive?
Tenho uma memória muito interessante. Nós fomos o primeiro festival do mundo a ter uma zona para grávidas. Uma vez tínhamos uma festivaleira, foi no concerto dos The XX, que lhe rebentaram as águas e saiu daqui para a maternidade. Temos uma fotografia do bebé recém nascido com uma pulseira do NOS Alive. Acho que o festival é muito diferente dos outros, porque temos muitos palcos a funcionar em simultâneo, temos uma boa oferta de comida e bebida, num sentido em que é fácil, está acessível em todo o recinto. E temos uma zona de food court com uma esplanada, com mais de dois mil lugares sentados, que permite às pessoas que estão aqui muito tempo poderem usufruir muito mais e ter uma experiência mais positiva. Porque eu conheço festivais no estrangeiro em que as pessoas para comerem sentadas têm de se sentar no chão. Isso é uma coisa que aqui não acontece. Acima de tudo, a melhor experiência é exatamente estar a ver um grande concerto aqui no palco NOS, passar pelo WTF Club e ver outro grande concerto, estar no palco Heineken e ver outro grande concerto. Viver três ambientes e grupos de pessoas completamente diferentes, tudo a usufruir do festival. Isso é uma experiência muito gratificante. E depois vir pela rua do Fado e, de repente, estar a ver um espetáculo de Fado. Ou então ir à tenda de comédia, que está completamente cheia também.

Obviamente, o que as pessoas procuram num grande festival é, digamos, alguma exclusividade. Às vezes, nas críticas, dizem que são sempre [artistas] estrangeiros e não portugueses. Claro que há muitos portugueses no festival, mas uma coisa é ter Da Weasel, uma coisa única, ao fim de 12 anos, naquele ano em que não fizeram mais nenhum espetáculo. Aí sim, são cabeça de cartaz. Outra coisa é ter um artista português num país tão pequenino como este, que faz 100 espetáculos e que nós já ouvimos três vezes.

Quais são as maiores dificuldades que vocês enfrentam para organizar um festival desta dimensão em Portugal?
As dificuldades são duas. Duas não, são se calhar três. Uma é a dimensão do país. Outra é a localização do país. Portugal é o país mais periférico da Europa, para chegar cá, tirando a nossa vizinha Espanha, só se chega de avião, nem comboios temos. Nem sei quantos comboios internacionais existem, há tempos não vi nenhum. Acho uma graça, porque fala-se tanto em sustentabilidade e ambiente, depois não temos comboios. É uma coisa muito estranha. Acho que às vezes os nossos políticos gostam de brincar ao faz de conta, de uma forma genérica, estão sempre a falar em ambiente, o mais importante era desenvolver o comboio, é o transporte mais sustentável. Nem sequer temos uma linha rápida para nos ligar à rede de alta velocidade da Europa. Isso é uma dificuldade para nós, porque as pessoas têm de vir de avião, o público que vem de fora. E depois a outra, claro, é o poder de compra do país. O poder de compra e os hábitos culturais. É o país com os hábitos culturais mais baixos da Europa, e não deixa de ser curioso que os países que têm hábitos culturais mais fortes são os países que produzem mais, a população vive melhor e são mais ricos, e os países que têm hábitos culturais mais baixos são os que produzem menos e a população vive com mais dificuldade. A nossa prioridade devia ser incentivar a criação de hábitos culturais na educação para as novas gerações e nas gerações que já não estão na escola, que obviamente têm de ganhar hábitos culturais. Porque é fixe ler um livro, é ótimo ir ver um espetáculo de dança, é ótimo ver uma orquestra sinfónica. Não tem necessariamente de ser música popular, rock and roll ou festivais. Hábitos culturais é muito mais que isso. E quando ganhamos mundo, produzimos mais, somos gente melhor e passamos a viver melhor.

O que pode ser feito para se mudar esta realidade em relação aos hábitos dos portugueses?
Muito simples. Todas as empresas têm projetos de responsabilidade social e há muitos anos que, e bem, andamos a trabalhar na questão da sustentabilidade e do ambiente. Já faz parte, já não é preciso sensibilizar tanto, esses comportamentos já estão enraizados na estrutura da empresa. O que elas deviam fazer era incentivar os seus colaboradores e parceiros, em primeiro lugar, e, no fim, os seus clientes, a aumentarem os hábitos culturais. Por outro lado, obviamente, na educação também, ensinarem a criar hábitos culturais nas crianças.

Falando a nível político, e uma vez que tivemos eleições não há muito tempo, como é que ficou o cenário para a cultura?
Eu nunca escondi que não sou de esquerda, apesar de achar que sou mais de esquerda que as pessoas de esquerda, mas isso é outra questão. Acho que estou a gostar da postura do governo de tomar decisões e de seguir em frente. Acho que é importante. Em relação à política cultural nestes últimos 50 anos, eu tenho uma frase: O 25 de novembro não chegou à cultura. O 25 de novembro foi um momento muito importante em que garantimos a pluralidade e a democracia, porque saímos de uma ditadura de direita e estávamos quase a entrar numa ditadura de esquerda. O 25 de novembro garantiu eleições livres, uma Constituição e todos poderem coexistir e discutir as suas ideias. Só que à cultura parece que não chegou. O Estado apropriou-se da cultura e por isso é que nós falhámos completamente. As políticas culturais falharam, este modelo não serve. O modelo da gratuidade não serve, porque a cultura tem que ter um valor percebido como tudo. Quando vamos beber um café, pagamos, quando vamos a um restaurante comer, pagamos. E para as pessoas que não têm condições para pagar comida, existem apoio social para lhes dar comida. Não é com a gratuidade dos museus públicos que vamos levar mais pessoas. Estamos a retirar valor a um bem que é tão importante como os outros.

O modelo falhou completamente, mas não se pode romper com ele, tem é que se criar um cheque cultura, tem que se dar liberdade de escolha às pessoas. Por isso digo que o 25 de novembro não chegou à cultura, porque o Estado impinge um determinado hábito cultural. E não deixa de ser curioso que, a 29 de março de 1974, quando o Zeca Afonso, num espetáculo de música portuguesa, cantou pela primeira vez o Grândola Vila Morena, em pleno Estado Novo, isso só foi possível porque era um teatro privado. Porque os privados, ao contrário do que se pensa, é que são o garante da democracia, da liberdade e da pluralidade. Porque aquele espetáculo não acontecia em nenhum teatro público. Nós precisamos de um setor privado forte, precisamos de investimento na cultura. Não se constrói um teatro privado há 50 anos em Portugal.

No ano passado, o investimento da Live Nation em Portugal deu bastante que falar.
Ainda não tiveram luz verde da autoridade da concorrência.

Mas a previsão é que este player tenha realmente influência?
Como português, preocupam-me que, de facto, os nossos ativos sejam vendidos a capital estrangeiro. Ativos de relevância. Como foi uma EDP, como foram os bancos, como foram as seguradoras, como foram as cimenteiras, como uma infraestrutura relevante que é única. Preocupam-me porque nós não podemos estar numa situação em que daqui a uma geração somos empregados de investimentos estrangeiros, o país inteiro. Isto não faz sentido nenhum. Nós temos de ter capital português porque aí até existe outro tema, e estamos a falar de economia: balança de pagamentos. Se todas as empresas desviarem parte, digamos, do seu lucro para a sua sede no estrangeiro, a mais-valia que se constrói em Portugal em vez de ficar em Portugal, vai lá para fora. E, portanto, aí não vamos ser um país rico, de certeza. A balança não pode ser negativa, tem de ser equilibrada ou positiva para criarmos riqueza. Portanto, é um assunto que me preocupa. E os centros de decisão, como nas grandes nações, é importante que estejam no seu país porque, por enquanto, apesar da globalização, ainda somos países independentes. Portanto, isso preocupa-me. Agora, é ver para querer o que vai acontecer, pode ser que a autoridade estabeleça regras porque isso não aconteça.

Pode ter alguma influência no aumento do preço dos bilhetes?
Não sei.

Mas os bilhetes têm vindo a aumentar?
Têm, houve um aumento generalizado. Eu acho que a covid-19 permitiu que alguns setores económicos fizessem subir os preços. Mas, de facto, neste momento estamos a assistir na Europa a uma quebra de vendas generalizada. Eu acho que isto também tem a ver com uma diminuição do dinheiro disponível. Porque os espetáculos, tal qual como as viagens, não estão no cabaz básico de necessidades, como está uma casa, alimentação, vestuário, educação dos filhos. Uma pessoa não deixa de comer para comprar um jornal ou para ir a um espetáculo. E o dinheiro é menor. Porquê? Tivemos a inflação, portanto, não houve um acompanhamento dos salários de acordo com o aumento do custo de vida, houve um aumento dos juros, passou de 0 para 4%. O dinheiro disponível é menos e o dinheiro disponível sendo menos, há menos compra, o consumo retrai-se um bocadinho. E se fores ver, muitos festivais foram cancelados este ano na Europa por falta de vendas. Vai haver uma tendência de corrigir preços a partir de 2025. Mas isto tem a ver com a lei da oferta e da procura.

Mais Artigos