Os registos dos primeiros Jogos Olímpicos remontam ao ano de 776 a.C., na Grécia Antiga. Na altura, a competição acontecia como forma de homenagear Zeus, o maior Deus da mitologia grega. O que começou com apenas uma prova, uma corrida de 192 metros que teve como primeiro campeão olímpico Coroebus of Elis, passou a um torneio de cinco dias com 14 modalidades. Até que o torneio foi abolido pelos romanos.
Quando regressaram, em 1896, os Jogos Olímpicos da época moderna reuniram em Atenas 280 atletas, de 13 países, que competiram em 10 modalidades. 128 anos depois, é Paris que recebe, este verão, a maior competição do mundo.
O Comité Olímpico de Portugal (COP) começou a preparar esta edição mesmo antes da última, em Tóquio, realizada em 2021 devido à pandemia causada pela covid-19. “Nós temos um enquadramento plurianual que define aquilo que é o programa de preparação olímpica, onde o comité negoceia com o governo um conjunto de objetivos estratégicos e metas a alcançar e com o respetivo envelope financeiro. E normalmente esse processo funciona num horizonte de dois ciclos olímpicos, portanto oito anos. Paris já estava contemplado no contrato de Tóquio, assim como Los Angeles está contemplado no contrato de Paris”, explica João Paulo Almeida, diretor geral do COP, à Forbes.

Trata-se de um contrato de programa de desenvolvimento desportivo, que regula entre todos os parceiros do processo aquilo que são as suas obrigações, competências, recursos e objetivos em matéria de resultados. A verba é disponibilizada pelo Estado, um envelope financeiro no valor de 22 milhões de euros, e o COP é responsável pela gestão do dinheiro e preparação da missão olímpica.
Para os atletas e treinadores existem bolsas de apoio. “Há o nível medalhado, o nível top elite, elite e apoio à qualificação. Depois temos o chamado apoio à preparação, isso aí é um dinheiro que vai para as Federações, para elas custearem, em função dos atletas que têm integrados, despesas como viagens, alojamento, preparação para competições, estágios”, explica. O COP opta por manter uma proximidade com as Federações para que possa acompanhar a preparação e fazer uma avaliação em momentos intermédios.
Já nos Jogos Olímpicos, é hora de aplicar tudo aquilo que foi preparado ao longo de vários anos. Em Paris, com novos desafios à mistura.
“Vamos ter aqui um desafio muito grande que se prende com o modelo destes jogos, na medida em que se pretende abrir os jogos à cidade. Por exemplo, a cerimónia de abertura vai ser realizada no rio Sena e não no contexto habitual dentro do estádio, portanto isto coloca desafios enormes em matéria de segurança, logística, do tempo que os atletas têm que dispor para todo esse cerimonial que se vai arrastar muito mais”, diz João Paulo. E os atletas partilham da mesma preocupação: “Acho que é bom ser diferente, não sei como vai ser ao certo, até porque aquilo do barco pode também correr bastante mal. Sei que vai ser cansativo quem quiser ir à cerimónia de abertura porque estão previstas 13 horas entre sair da vila e voltar”, conta a ginasta Filipa Martins à Forbes.
Mas não fica por aqui. Neste momento, há até provas em risco. A poluição no Sena pode levar ao cancelamento ou alteração – no triatlo fala-se de reduzir a prova para a corrida e ciclismo e deixar de fora a natação – de algumas das competições no calendário. Só que aqui o COP já não se mostra tão preocupado. “Olhamos da mesma forma que olhámos para semelhante abordagem na Baía de Guanabara nos Jogos do Rio de Janeiro. Que é confiar nas autoridades francesas, confiar no comité organizador local, para se não houver condições de saúde pública encontrar alternativas para colocar o atleta e a sua saúde como aspeto prioritário”, diz.

Em busca de quatro medalhas
Para os atletas espera-se uma experiência totalmente diferente da anterior. Com a covid-19 a impedir a realização dos jogos em 2020, Tóquio só recebeu o evento no ano seguinte. Mas nem por isso deixou de ter um conjunto de regras para prevenir o contágio. “Acabámos por não ter um contacto tão próximo com os outros atletas, com as outras modalidades, porque tínhamos sempre medo de ser contagiados ou de contagiar alguém. A parte de não ter público em competição também foi estranha, parecia um treino e não uma competição. Tínhamos de o teste todos os dias”, conta Filipa. Três anos depois, a covid-19 ainda é uma realidade, mas já não terá influência na realização dos Jogos.
O processo de preparação dos atletas não é muito diferente, apesar de as modalidades serem. Filipa e Nelson Oliveira, ciclista, identificam as provas anteriores ao torneio como bastante importantes para perceber o que está bem e o que precisa de melhorar. No caso de Nelson, as competições terminam mesmo em cima dos Jogos. No ciclismo ainda falta o treinador anunciar a convocatória, apesar de Nelson ter conseguido o apuramento, mas o atleta já sabe que a Volta a França (Tour de France) será a melhor forma de preparar o torneio olímpico.
“Nós estamos a trabalhar para uma equipa e essa equipa tem um calendário diferente, jogo um bocadinho com a preparação correndo. O Tour é uma excelente preparação para os Jogos Olímpicos e acaba por nos ajudar bastante no ciclismo. Nós terminamos o Tour e passado uma semana temos a corrida. Ou seja, se nós mantivermos o foco e a concentração, conseguimos não desconectar e sabemos que vamos chegar à prova dos Jogos Olímpicos nas melhores condições possíveis. Se o Tour correr bem, acho que chegaremos bem”, diz à Forbes.
Nelson prevê algumas dificuldades em relação ao percurso e às mudanças que a organização fez para este ano na prova de estrada. “É um percurso provavelmente mais reduzido. E este ano também noz reduziram o número de atletas na prova de estrada, taticamente também é bastante diferente”, explica. No caso de Filipa, a sua preocupação são as lesões. “Tenho algumas lesões crónicas que decidem aparecer e desaparecer quando bem lhes apetece, é um bocadinho difícil gerir essa parte porque nunca sei bem como vou estar. Acabo por passar bastante tempo na fisioterapia, de manhã normalmente. É mais difícil porque nem sempre consigo treinar bem nem como gostaria”, conta.
Da parte do COP os objetivos estabelecidos inicialmente continuam a ser o foco. Desde a conquista de quatro medalhas até ao equilíbrio da percentagem de participação de atletas de ambos os géneros. “São mais exigentes do que aqueles que foram definidos para Tóquio, mas o COP estabeleceu aqui um princípio muito claro após Tóquio, que é haver uma sustentação do sucesso. Os resultados que aconteceram em Tóquio, que foram globalmente positivos, não podem ter sido apenas um fenómeno e uma situação que ocorreu ali”, diz o diretor geral.

O sucesso nos Jogos é de grande importância para o currículo de um atleta. Se por um lado existem os que correm em equipa e recebem um salário, por outro há o grupo de nomes que necessita de um patrocínio para dar seguimento às suas carreiras. A visibilidade dos Jogos pode ser muito importante nesse lado.
Mais do que desporto, mas nem sempre
Os Jogos Olímpicos foram, são e provavelmente continuarão a ser muito mais do que apenas uma competição desportiva. O próprio símbolo do evento é indicativo disso: cinco círculos entrelaçados, pintados de vermelho, preto, azul, verde e amarelo, que representam a união entre os cinco continentes.
Só que este ano, há um conceito que já está ameaçado: a trégua olímpica. A suspensão de qualquer conflito durante os dias da competição já acontecia na Grécia Antiga. Este ano, por muitos que sejam os apelos, a invasão russa na Ucrânia e a invasão israelita em Gaza não parecem estar perto de abrandar. A situação no mundo acabou por colocar Paris em risco máximo no que ao terrorismo diz respeito.
“O comité está junto das autoridades portuguesas e francesas a agilizar um conjunto de procedimentos para poder garantir, acautelar e saber o que fazer em situações de risco, crise, pânico. Não é suposto que um evento que visa promover a paz tenha situações dessas. Mas as ameaças são reais, são crescentes, e muitas vezes as ameaças não se colocam apenas e só no ponto de vista da agressão física, de atentados, mas cada vez mais em termos de disrupção de serviços, através de ataques cibernéticos”, diz João Paulo Almeida.
Os atletas mostram preocupação e o COP afirma ter mantido conversas com eles e os seus treinadores para tratar os temas relacionados com a missão, como é o caso da segurança. Nelson, que sabe bem o que é competir em Paris, cidade onde termina o Tour, confessa-se preocupado, mas ao mesmo tempo positivo.
“É óbvio que me preocupa, temos sempre um bocado de receio. Nós terminamos sempre a Volta a França em Paris e felizmente temos bastante turismo e muitas pessoas que assistem no último dia do tour em Paris. Sentimos um bocado de receio, mas, pela minha experiência, acho que não haverá qualquer problema, esperemos nós”, diz.
Ao mesmo tempo, os Jogos Olímpicos são o maior palco do desporto mundial. Garantida a segurança e sem qualquer momento de tensão associado, foram vários os protestos que já usaram esta visibilidade para enviar uma mensagem ao mundo. O mais famoso de todos aconteceu em 1968.

Em 2021, em Tóquio, o COI proibiu a realização de protestos durante as cerimónias de entrega das medalhas. 53 anos depois de Tommie Smith e John Carlos terem levantado o punho no pódio da prova de 200 metros em protesto contra o racismo nos Estados Unidos.
Da parte de Portugal, apesar de se defender a liberdade de expressão de cada atleta, o COP concorda com esta proibição durante as cerimónias: “Nós temos uma visão de que as cerimónias protocolares, de pódio, embora sejam aquelas que têm maior impacto mediático, devem de alguma forma focar-se apenas no aspeto desportivo. Os atletas que pretendam tomar posições nesse domínio, devem-no fazer noutros momentos em redor dos Jogos, mas não na cerimónia. Eu diria que, e pode-me dizer que isto é uma abordagem um bocadinho cândida, a cerimónia de pódio deve ficar prestigiada apenas por aquilo que é a valorização do desempenho do atleta e nada mais”, defende o diretor geral.
E o país arrasta esta posição mais neutra relativamente a outros temas. Como a exclusão dos atletas russos e bielorussos da cerimónia de abertura: “É uma questão que sinceramente nunca refletimos. Foi aquilo que foi decidido. O comité olímpico não tem de tomar posições políticas nessa matéria e tem mantido alguma equidistância relativamente a esses fenómenos”.
Mas porque é que é importante para o Comité que os atletas escolham manter esta posição mais neutra?
“Eu não estou a dizer que acho importante, por acaso até acho, porque eu diria que fundamentalmente um atleta, e aquilo que sinto dos nossos atletas na generalidade é o foco na competição, o foco no momento único da sua carreira. Eles têm a perceção de que, pesa embora terem a sua liberdade de expressão, como qualquer cidadão, sabem que abordarem esses assuntos ou emergirem muito em torno desses problemas pode ser um fator de desconcentração e de retirar o foco naquilo que é a sua participação desportiva. Eu não estou a dizer que não o façam, o comité nunca, nem pode fazer, definiu diretrizes, as pessoas têm a sua liberdade de expressão, mas felizmente não tivemos nenhum atleta que tenha sido muito vocal pró ou contra o que quer que seja nesta matéria”, conclui João Paulo.
(Artigo publicado na edição de junho/julho da Forbes Portugal)