Kevin Dias: “As séries e o cinema têm dias lindos pela frente, o público vai precisar sempre de boas histórias”

Que Emmanuel Macron e Roberto Gualtieri não nos ouçam, mas enquanto ambos estavam distraídos a discutir se Emily permanecia em Paris ou se mudava definitivamente para Roma, foi Lisboa que começou a ganhar terreno. Pelo menos na versão de Kevin Dias. Nasceu na capital francesa e é lusodescendente. A sua ligação a Portugal leva-nos diretamente…
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Kevin Dias conquistou o universo do streaming através de 'Emily in Paris'. Com o sonho americano ainda em mente, hoje é presença assídua em Portugal. Onde veio para ficar.
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Que Emmanuel Macron e Roberto Gualtieri não nos ouçam, mas enquanto ambos estavam distraídos a discutir se Emily permanecia em Paris ou se mudava definitivamente para Roma, foi Lisboa que começou a ganhar terreno. Pelo menos na versão de Kevin Dias.

Nasceu na capital francesa e é lusodescendente. A sua ligação a Portugal leva-nos diretamente à cidade berço, onde nasceu o pai. “Costumo dizer que fui educado à portuguesa, mas em Paris”, conta à Forbes. E a forma como fala do país não o deixa mentir.

“É uma sensação muito profunda em mim. Essa ligação a Portugal sempre ocupou um lugar muito importante e especial na minha vida. Quando não me estou a sentir bem na minha vida em Paris, são imagens, cheiros, a saudade. A saudade faz parte de mim. Cresci também um bocadinho em Portugal, passava sempre dois a três meses por ano das férias com os meus avós. Comecei a aprender língua portuguesa e a ter amigos em Portugal”, diz.

Mas hoje é um pouco de todo o mundo. Do cinema francês ao português, passando pelas séries norte-americanas com escala global, a experiência no Reino Unido e uma enorme vontade de conquistar mais e mais ecrãs.

Temporada 1: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain

É um dos maiores clássicos do cinema francês e chegou mesmo ao maior palco do cinema mundial: os Óscares. Sendo que o facto de não ter sido premiado não lhe retira todo o sucesso que alcançou.

Num exemplo claro de uma entrada pela porta grande, foi neste filme que Kevin deu os primeiros passos na área da representação. “Comecei muito novo. Queria passar na televisão, fazer publicidades, gostava muito de ver tudo isso. Comecei a passar em alguns castings e a ter castings para projetos mais interessantes. Com 10 anos fui escolhido entre mais de 400 crianças para ter um pequeno papel no filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, que se tornou um clássico do cinema. A partir daí nunca parei”, conta.

Estávamos em 2001 e passariam 20 anos até chegar a série que o levou novamente aos quatro cantos do mundo, mas pelo caminho foram vários os projetos em França: O filme “Les déracinés” ainda em 2001, a minissérie “Un été de canicule” em 2003 e a série “Sam” em 2016 são apenas alguns exemplos.

“Há alguns dias em Paris estava a esvaziar a cave com os meus pais e encontrei várias fotografias que a minha mãe tirou quando era novo, nas diferentes filmagens. É absolutamente incrível, pareço tão à vontade, tão no meu elemento. Já estava um ator, muito feliz. Lembrei-me porque é que ainda faço isto, porque estou nesta profissão hoje em dia. E não mudei, estou sempre essa criança que quer fazer isto, que tem esses sonhos na cabeça e estrelas nos olhos. Obviamente houve altos e baixos, mas a minha carreira está num bom caminho”, afirma Kevin.

Temporada 2: Emily in Paris

“Após conseguir o trabalho de sonho em Paris, Emily Cooper, natural de Chicago, começa uma nova vida de aventuras no trabalho, na amizade e no amor”, lê-se na sinopse de Emily in Paris na Netflix. A série que marcará um antes e um depois na carreira de Kevin Dias.

“Sempre fiz projetos franceses, mas claramente estava a pensar em ir para os Estados Unidos”, confessa o ator. Começou por tentar encontrar um agente em Londres, para tirar vantagem da proximidade entre França e Inglaterra e começar a trabalhar em inglês. Foi nesse momento que encontrou o primeiro entrave: não tinha trabalhos para apresentar em inglês. “Comecei a escrever cenas com amigos meus, basicamente a inventar guiões em inglês para poder ter material para mostrar,”, conta.

Entretanto a mudança de agente acabou por acontecer em Paris, ao mesmo tempo que decidiu apontar direções para o streaming. “Não imaginei por um segundo que iria ter um casting para uma série americana”, conta. Mas fez o casting para Emily in Paris.

“Foi basicamente participar num projeto americano sem sair de Paris, foi incrível para mim. Agora estou a trabalhar muito para avançar nessa direção internacional porque tenho a sorte de ter encontrado agentes por todo o lado graças a esta série”, afirma.

Benoît, o nome da sua personagem na série, chega na segunda temporada – episódio quatro para os mais distraídos. Numa altura em que o projeto já era um sucesso em diversos países.

“Um bocadinho de stress é normal porque já sabes o sucesso da primeira temporada, queres estar à altura”, conta. E assim foi. Os produtores souberam logo que ele seria a pessoa certa para o papel e Kevin conseguiu transformar um pequeno personagem numa parte da história que se alargou por três temporadas. “Era um pequeno papel no início e depois correu tão bem que decidiram escrever mais para o Benoît. Foi incrível”, diz.

O público, da mesma forma que os produtores da série, também respondeu de forma positiva ao seu trabalho. E tudo isto levou a um maior interesse por parte da indústria. “O que é importante para mim é ter propostas e continuar a trabalhar neste caminho, agora é um bocadinho mais fácil encontrar projetos e tentar avançar no caminho que eu prefiro e não aceitar tudo. É uma exposição maior e é importante como ator”, realça.

Um caminho que continuará a passar, também, pelo streaming: “É uma experiência completamente diferente do cinema. Eu vou ser sempre fã de ir ver os filmes ao cinema, mas agora com as séries entras na casa das pessoas, porque podem ver-te e rever-te à vontade. Acho que dá mais oportunidades aos atores também. O mundo mudou e é preciso uma adaptação às novas realidades do mercado. As séries e o cinema têm dias lindos pela frente, o público vai precisar sempre de se divertir com boas histórias. Não tenho medo do poder e do futuro do streaming”.

Temporada 3: Podia Ter Esperado por Agosto

Um país onde o interesse pela carreira de Kevin é inegável, é Portugal. Não só porque Emily in Paris também é um enorme sucesso por cá, mas também porque a sua ligação ao país fez aumentar a curiosidade. E entre vários seguidores do seu trabalho, estava César Mourão, que escreveu e realizou o filme Podia Ter Esperado por Agosto.

“Gostei imenso de trabalhar num projeto português, e correu tão bem que agora tenho muito interesse no mercado português. E o facto de ter sido escolhido pelo génio que é o César Mourão, acho que também mudou muitas coisas, porque agora sinto-me mais legítimo, fui de certa forma validado pelo público e pela indústria”, afirma Kevin, que deu vida a Julião neste projeto.

Entre cinema, televisão, streaming e vários países – incluindo uma curta passagem pelo Reino Unido, que acabou por não se concretizar – Kevin conhece as diferentes formas de trabalhar, que, no fundo, varia por vários fatores e não apenas pela localização geográfica ou o meio de transmissão. “Há mais pessoas em Paris, quando estamos a filmar Emily in Paris há centenas de extras, figurantes, equipa técnica. É a diferença de budget basicamente, de orçamento e tamanho da produção. E a cultura também, a maneira de trabalhar às vezes com realizadores. Em Portugal, por exemplo com o César e a equipa toda foi muito familiar, muito simples e orgânico. Mas eu gosto de entrar num novo projeto sendo uma pessoa humana e aberta a tudo, aos realizadores e à direção que me podem dar para fazer o meu trabalho da melhor maneira possível”, diz.

Temporada 4: Em breve

Quanto ao momento atual da área, não tem dúvidas: “Acho que tivemos uma longa época de transição e de transformação social com o desenvolvimento da tecnologia, das redes sociais, dos telemóveis. Foi preciso algum tempo para a indústria encontrar o caminho certo, mas agora tenho a sensação de que estamos a viver um novo grande interesse pelo cinema e as séries, tal como nos anos 90 e início dos anos 2000”, defende, realçando a confiança de que o ser humano vai conseguir adaptar-se aos avanços tecnológicos que continuam a cruzar-se no nosso caminho, como é o caso da inteligência artificial.

Num futuro mais próximo, está confiante na sua permanência em Portugal. Para trabalhar e, possivelmente, para viver. “Gostava de continuar aqui, sinto-me tão bem em Lisboa. Agora tenho também um apartamento aqui e estou a pensar mudar-me para cá e pôr o meu filho na escola cá”, diz.

Mas quer, acima de tudo, mudar um pouco o tipo de personagem que tem vindo a fazer. “Seria muito interessante fazer um filme mais dramático. Agora o sonho é ter um papel tipo o Brad Pitt no Fight Club. Uma coisa mais dark, para quebrar essa imagem do menino arrumado”.

Ou, se formos ainda mais específicos, o “em breve” ideal seria este: “Trabalhar com o Denis Villeneuve, no Dune 3 ou 4”, conclui.

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