Na indústria da restauração, “empreender não é só pão e manteiga”. Foi este o mote que deu o pontapé de saída para a conversa com três oradores ligados ao tema do evento que decorreu ontem, no Porto, Chefs, Sustentabilidade e Economia, com o apoio da Forbes Portugal e do Jornal Económico, entre outros meios. Luís Pedro Martins, Presidente do Turismo do Porto e do Norte, Diogo Miranda, CEO do Central Restaurants e Portfolio e o chef e empresário Vasco Coelho Santos partilharam com a audiência presente no Museu Soares dos Reis, local onde decorreu a tarde de trabalhos, alguns conselhos importantes para quem se quer tornar empresário da restauração.
“Este é um momento fantástico para a indústria da restauração. Está no melhor fase da sua história” referiu Diogo Miranda, já na fase final do debate do painel, moderado por Jorge Lopes, da revista Evasões, que pretendia alertar para as vantagens e desvantagens de se tornar empreendedor no ramo da restauração. Quando questionado sobre os conselhos a dar a quem está a pensar iniciar um projeto nesta área, alerta que, apesar de este ser o melhor momento para abrir um negócio na restauração, “pense bem, pense duas, três, várias vezes. Pensar bem com quem quer fazer e como quer fazer porque, tendo todas as ferramentas necessárias, esta é uma aventura fantástica. Porém, é um negócio difícil e tem de nos encher o coração. Não devemos olhar para isto apenas como um negócio, mas como um legado”.
“É necessário pensar no território. Estamos num país em que o turismo cresce como um todo e não apenas nas grandes áreas metropolitanas, no Algarve e na Madeira. O turismo também cresce no interior”, refere Luís Pedro Martins.
Com ele concordam os dois outros oradores presentes no painel. Vasco Coelho Santos, chef, dono do Eskalduna Studio, que abriu em 2016 e já se alargou a oito espaços, refere que o conselho que deixa a quem se quiser iniciar nesta atividade é que “Pense bem na autenticidade do negócio, que estude bem o conceito que vai abrir e que pense bem no seu business plan, que é fundamental para ser sustentável. E se for um chef que se lembre que vai cozinhar menos e vai passar a estar mais preocupado com outras coisas, sendo muito importante ter uma equipa em quem confie, porque sozinho não vai a lado algum”.
Já Luís Pedro Martins refere que, além do que os colegas já disseram, e com o qual concorda, é necessário “pensar no território. Estamos num país em que o turismo cresce como um todo e não apenas nas grandes áreas metropolitanas, no Algarve e na Madeira. O turismo também cresce no interior. É importante olhar para o interior como o novo luxo do turismo, e se houver qualidade é possível ter sucesso em locais que poderia ser difícil ter sucesso. Hoje percebemos que o interior é uma oportunidade e não a fatalidade que alguns querem fazer dele”, remata este responsável. E acrescenta: Há dois ingredientes que nunca saem de moda: autenticidade e, por outro lado, a qualidade, sobretudo num país que está a querer crescer cada vez mais em valor e com preocupação de atrair mercados de alto rendimento, mais exigentes”.
A primeira escola de alta gastronomia em Portugal
Umas das questões mais abordadas neste debate foi a questão da formação específica, que é fundamental para que o negócio corra bem. Luís Pedro Martins revelou alguns pormenores da criação da primeira escola de alta gastronomia em Portugal, um ativo importante para que o país possa dar o salto na criação de maior valor nesta área de atividade. A escola, já anteriormente anunciada, resulta do encontro de vários parceiros, entre eles a Câmara Municipal do Porto, e ficará sediada nesta cidade. Resulta de uma parceria com o Basque Culinary Center, situada em San Sebastien, Espanha, escola com quem o projeto mais se identificou.
“Quando procurámos parceiros encontramos o Basque, que tinha uma ideia mais evoluída, que não passava apenas pela gastronomia, e é essa ideia que queremos trazer para cá”, explica o responsável. Também o Basque se mostrou muito interessada neste projeto, pois procurava uma ligação a outros setores, como a agricultura, aos vinhos, a inovação, a busca dos alimentos do futuro. “Não é apenas de uma escola que estamos a falar, mas da Gastronomy Inovation Campus, que terá a chancela do Basque, mas será totalmente independente e autónomo”, refere.
“Queremos ter formação de alto nível, para que os chefs “estrela Michelin”, possam encontrar aqui esse percurso. Será uma escola nacional, mas que pretende atrair alunos internacionais, aproveitando a relação com os PALOP”, afirma Luís Pedro Martins.
O projeto vai desenrolar-se em três partes: formação, investigação e eventos. “Para as duas primeiras partes já encontramos financiamento, e vamos iniciar em breve os primeiros trabalhos na formação, que passará do mais básico até formação com título”, diz. A ideia é fazer o mesmo modelo que o Basque também faz, como licenciaturas, mestrados e doutoramentos, acrescenta Luís Pedro Martins. “Para uma segunda fase, que será o espaço físico, temos o compromisso do município do Porto em encontrar esse espaço”, refere.
A ideia que está na base do projeto é que os alunos que saiam das escolas de hotelaria e alguns politécnicos, possam depois encontrar a continuação dos seus estudos, nomeadamente para chefs de “estrela Michelin”, explica o presidente do Turismo do Porto e Norte. “Queremos ter formação de alto nível, para que os chefs “estrela Michelin”, possam encontrar aqui esse percurso. Será uma escola nacional, mas que pretende atrair alunos internacionais, aproveitando a relação com os PALOP. Vamos ter um grupo de consultores com “estrelas Michelin” nacionais e também internacionais”, afirma. Adianta ainda que o Basque não fazer muitas parecerias como esta. “Uma será aqui em Portugal outra no Japão e outras nos Estados Unidos”, remata.
Vasco Coelho Santos refere a propósito que ter uma escola à disposição no país será muito interessante, e que não seria necessário, para muitos chefs, saírem do país para encontrar a formação adequada. Além disso, é fundamental ter uma equipa em quem confiar na hora de delegar. “Quando abri o Eskalduna o restaurante só servia 16 pessoas, éramos só cinco pessoas e eu conseguia gerir o negócio, cozinhar e estar com a equipa. Quando se transformou em oito negócios, com 90 pessoas, preciso confiar numa equipa de backoffice bastante grande”, remata.
A internacionalização do negócio da restauração
Nascido em Guimarães, em 1990, Diogo Miranda assumiu em 2023 a liderança do conceituado grupo Central Restaurants and Portefolio, sediado no Peru. O restaurante Central, em Lima, atingiu o primeiro lugar da lista dos 50 melhores restaurantes do mundo em 2023.
O grupo já expandiu as suas marcas para o Japão e para o México, apostando numa internacionalização de sucesso: o restaurante de Tóquio já alcançou duas estrelas Michelin. O ponto forte do grupo é, segundo o seu CEO, a autenticidade. “A autenticidade é algo muito marcado na nossa filosofia, e há a necessidade de ter um mecanismo que te obriga a ser autêntico, e evitar de cair em tendências, porque isso esgota uma marca, esgota um projeto. O projeto do Japão é muito bom nisso, porque fomos com toda a autenticidade”.
“Temos um restaurante a quatro mil metros de altura, onde não se fala espanhol, mas uma língua nativa, e para entrar lá temos de ir com alguém especialista, para entender melhor a região”, diz Diogo Miranda.
Explica ainda que o mercado japonês está muito curioso com o que a marca está a oferecer, porque é um projeto único, que estabelece intercâmbio de culturas. “Isto é muito nutritivo e faz com que o negócio seja sustentável e que possa desenvolver mais negócio. Nós olhamos sempre isto com olhos de que o restaurante é uma porta de entrada para outras coisas mais”, refere.
Da sua equipa fazem parte profissionais pouco comuns na área da restauração, como antropólogos, artistas, artesão, biólogos e botânicos. “Isto é essencial no nosso modelo porque queremos um projeto mais profundo, mais alargado, queremos chegar a mais extratos e sonhamos em ser mais do que um restaurante, por isso é importante nutrimo-nos de mais disciplinas, de mais conhecimentos. Explica ainda que um antropólogo faz falta no grupo porque, por exemplo, “Temos um restaurante a quatro mil metros de altura, onde não se fala espanhol, mas uma língua nativa, e para entrar lá temos de ir com alguém especialista, para entender melhor a região”.