Rearmamento da Europa: empresas do setor da defesa estão a valorizar à boleia do novo plano

Décadas depois de uma Europa destruída pela II Guerra Mundial e de um Plano Marshall para a sua reconstrução – apoiado pelos Estados Unidos – o velho continente vê-se novamente a braços com a velha questão da necessidade de apostar mais, ou não, na defesa das suas fronteiras. Apesar da guerra da Ucrânia ter colocado…
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Empresas europeias do setor da defesa, como a alemã Rheinmetall ou a francesa Thales, estão a valorizar à boleia das expectativas de novos contratos. A primeira valorizou cerca de 183% e a segunda 75% nos últimos seis meses. Plano de rearmamento da Europa traz, contudo, riscos para o défice dos países membros.
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Décadas depois de uma Europa destruída pela II Guerra Mundial e de um Plano Marshall para a sua reconstrução – apoiado pelos Estados Unidos – o velho continente vê-se novamente a braços com a velha questão da necessidade de apostar mais, ou não, na defesa das suas fronteiras. Apesar da guerra da Ucrânia ter colocado novamente o quente tema em cima da mesa, os conflitos geopolíticos mundiais estão a acelerar esta discussão. Com a ameaça velada de Donald Trump de que os Estados Unidos não defenderiam aliados da NATO que não cumprissem as metas de despesas militares, a Europa avançou com as primeiras medidas. A NATO estabelece que cada país membro deve gastar pelo menos 2% do seu PIB em defesa, uma meta que vários países não cumprem, como é o caso de Portugal.

Esta proposta de rearmamento da Europa contempla mecanismos inovadores, como a emissão de dívida conjunta e a reorientação de fundos comunitários da União Europeia para projetos de defesa, promovendo a modernização e a inovação das infraestruturas de segurança.

Foi a 6 de março que a Comissão Europeia lançou o plano Rearm Europe, entrando oficialmente numa era de rearmamento, com um orçamento previsto de 800 mil milhões de euros para a área da defesa, nos próximos quatro anos. Revelou ainda que iria contrair empréstimos no valor de 150 mil milhões de euros para financiar este novo objetivo, que passa por garantir uma autonomia estratégica na sua defesa, sobretudo ao reduzir a sua dependência de fornecedores externos, como os Estados Unidos.

Segundo o Aerospace and Defense Industry Outlook de 2025, da Deloitte, e porque as tensões geopolíticas se estão a agravar, os gastos mundiais em defesa ultrapassaram os 2,4 biliões de dólares (cerca de 2,2 biliões de euros), em 2023 (os números mais recentes disponíveis). O estudo aponta que as prioridades na área da defesa vão continuar a definir o futuro desta indústria, nomeadamente nas tecnologias relacionadas com as chamadas “Rockets Techologies”, sistemas não tripulados e tecnologias do espaço.

Esta proposta de rearmamento da Europa contempla mecanismos inovadores, como a emissão de dívida conjunta e a reorientação de fundos comunitários da União Europeia para projetos de defesa, promovendo a modernização e a inovação das infraestruturas de segurança. Este movimento de esforço reflete uma crescente consciencialização de que a segurança a longo prazo da Europa exige uma abordagem integrada e colaborativa, envolvendo todos os Estados-membros na construção de uma política de defesa comum, explicam os analistas da XTB.

Valorização das empresas cotadas ligadas ao setor da defesa

Não é difícil perceber, então, que as empresas ligadas ao setor da defesa estejam a atrair as atenções e a valorizar a sua performance. Segundo os analistas da XTB, plataforma de investimentos online, na previsão de um cenário em que as despesas com a defesa da União Europeia aumentem em 200 mil milhões de euros por ano, o impacto sobre as perspetivas de crescimento económico será relativamente limitado. No entanto, este investimento poderá ter um efeito positivo ao mitigar parcialmente os desafios da atual conjuntura económica na Zona Euro, especialmente nas principais economias europeias, como França e Alemanha.

Segundo a equipa de research da XTB, as ações da Rheinmetall registaram a maior valorização, impulsionadas pela expansão da produção de munições e pelos contratos provenientes do orçamento de defesa alemão. Sediada em Dusseldorf, a Rheinmetall AG é uma empresa que tem presença no setor dos automóveis e também da defesa. Com as suas ações a cotar perto dos 1.368 euros, a empresa valorizou cerca de 183% nos últimos seis meses.

Henrique Tomé alerta que o setor enfrenta riscos significativos, incluindo possíveis atrasos nos contratos e o aumento dos custos das matérias-primas e da investigação, fatores que podem pressionar as margens operacionais destas empresas.

Também a Thales Group, multinacional de origem francesa que comercializa sistemas de informação e serviços para a indústria de defesa, aeroespacial e de segurança, sediada nos arredores de Paris, viu as suas ações subirem. Cotada na Euronext Paris, o valor da empresa cresceu quase 40% no último mês e 75% nos últimos seis meses, beneficiando de um aumento da procura por sistemas C4ISR e radares antiaéreos. Já a Leonardo S.p.A, empresa sediada em Milão e também no setor da defesa valorizou com a crescente necessidade da NATO por sistemas de guerra eletrónica, além das joint ventures com a Rheinmetall, segundo a análise liderada pelo analista da XTB, Henrique Tomé.

Já BAE Systems, empresa com origem no Reino Unido e que tem como principais clientes ministérios da Defesa de diversos países, foi favorecida pelo desenvolvimento do caça Tempest e pelo crescimento do setor da cibersegurança. As suas ações, a cotar a cerca de 1.639 libras (cerca de 1.950 euros) cresceram 22,5% no último mês e 29% nos últimos seis meses.

No entanto, alerta Henrique Tomé, o setor enfrenta riscos significativos, incluindo possíveis atrasos nos contratos e o aumento dos custos das matérias-primas e da investigação, fatores que podem pressionar as margens operacionais destas empresas.

Impacto deste plano na dívida pública

Por outro lado, este pacote de estímulos ao setor levanta preocupações quanto ao impacto da dívida pública, uma vez que o aumento das despesas poderá intensificar a pressão sobre as finanças dos Estados-membros.

Atualmente, pode ler-se neste estudo, a maioria dos países da União Europeia já cumpre o requisito de destinar pelo menos 2% das despesas com a defesa em relação ao PIB. No entanto, os dados do Banco Mundial indicam que, em 2023, as despesas em toda a União Europeia poderão ultrapassar os 1,7% do PIB.

Para viabilizar o seu plano, a União Europeia deverá suspender temporariamente os limites do défice excessivo. Serão 650 mil milhões de contribuições diretas dos Estados-membros, o que poderá representar um desafio acrescido para economias altamente endividadas.

Em teoria, caso se concretize o plano da Comissão Europeia para um reforço anual de os 200 mil milhões de euros, o investimento total poderia ascender entre 2,7 e 3% do PIB. “Para contextualizar esta dimensão de investimento, é importante notar que a última vez que esta percentagem do PIB esteve dedicado ao setor da Defesa, foi nas décadas de 1970 e 1980 nos países da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço”, explica a equipa de analistas da XTB. Neste cenário, o crescimento será diminuto.

Para viabilizar o seu plano, a União Europeia deverá suspender temporariamente os limites do défice excessivo. Serão 650 mil milhões de contribuições diretas dos Estados-membros, o que poderá representar um desafio acrescido para economias altamente endividadas. Para mitigar esse impacto, a União Europeia prevê a concessão de empréstimos a taxas de juro mais vantajosas, totalizando 150 mil milhões de euros, oferecendo assim uma alternativa financeira para os países mais vulneráveis.

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