Quando aportavam na Terceira, os marinheiros portugueses eram, de repente, homens inundados pelo alívio: além de conseguirem pôr os pés em terra, poderiam comer e beber mais do que duros biscoitos e água salobra e voltar a ter acesso à civilização. A maior parte dos ilhéus, não sendo ricos, eram dotados de grande generosidade, apreciada durante séculos e sentida ainda hoje por quem os visita. Foi em Angra do Heroísmo que morreu Paulo da Gama, irmão mais velho de Vasco da Gama, e é na ilha Terceira, na Igreja de Nossa Senhora da Guia, que está sepultado o navegador português. Ainda hoje Angra recebe os visitantes com uma estátua de Vasco da Gama entrando na cidade, no Pátio da Alfândega. Pelas ruas, perfeitamente alinhadas e perpendiculares, é possível encontrar-se pedaços de história nos nomes das vielas, nas portas e janelas que ornam a cidade património mundial da Humanidade.
Como em praticamente todas as ilhas do arquipélago dos Açores, é importante ter carro para conseguir percorrer toda a extensão da Terceira – há várias opções de aluguer de viaturas no aeroporto e, portanto, pode seguir directamente para um dos hotéis que mais lhe agradar: na Praia da Vitória, o Praia Marina oferece-lhe vista privilegiada sobre os portos americano e português; em Angra do Heroísmo, o Terceira Mar Hotel tem uma piscina de água salgada e vista panorâmica, e o Hotel do Caracol destaca-se pelas varandas sobre o mar e pelo spa que convida a uns dias de muita tranquilidade.
Já sem bagagem, é hora de ir explorar o segredo menos bem guardado da ilha: a gastronomia. O peixe fresco e o marisco podem parecer escolhas óbvias, mas o prato mais emblemático da Terceira é a Alcatra, um prato de carne cozinhada a baixa temperatura num alguidar de barro e preferencialmente em forno a lenha. Se optar por visitar a ilha entre os meses de Maio e Outubro vai ter abertas as portas dos melhores cozinheiros e anfitriões da Terceira: é que na época das touradas à corda as portas das casas terceirenses abrem-se para quem quiser, havendo comida e bebida à discrição para os amantes da festa brava – ou somente do convívio salutar. Esta é a melhor forma de provar a Alcatra, que ao contrário do que o nome sugere não é um bife. São pedaços de carne de vaca com osso, que se encontram com especiarias exóticas, como a pimenta da Jamaica ou o cravo, e casam com o vinho verdelho e com a banha que unta o alguidar. As carnes são depois servidas em cima de uma fatia de pão de massa sovada – e se lhe quiserem dar outros acompanhamentos, recuse: a Confraria da Alcatra garante que à época da criação deste prato não havia outros elementos no prato e é preciso manter a tradição.
BISCOITOS QUE SE BEBEM
Revigorado da viagem, é tempo de gastar calorias. Se estiver calor, vá dar um mergulho. A zona balnear das Cinco Ribeiras é uma das opções e não estranhe a ausência de areia: na Terceira, só a Praia da Vitória tem direito a praia sem rochas. Se decidir continuar a contornar a ilha vai encantar-se com as paisagens verdejantes, sejam de pasto ou floresta. Na ponta oposta a Angra do Heroísmo, a região dos Biscoitos vai fazer as suas delícias: observe as curraletas – pequenas parcelas de terra delimitadas por muro de pedra – onde crescem, ajudadas pelas mãos experientes de viticultores ilhéus, plantas que hão-de dar uvas, que por sua vez hão-de dar um dos vinhos mais curiosos do país: o Magma ou o Muros de Magma, ambos brancos, ambos monocasta Verdelho, a mais emblemática da região. É também ali que se escondem algumas das mais incríveis piscinas naturais da ilha, formadas por rochas vulcânicas que lhes dão um encanto sem igual.
Para jantar, num registo totalmente diferente das casas de família, experimente o R3 Restaurante, perto da Praia da Vitória.
O projecto é relativamente recente, o edifício uma verdadeira obra de arquitectura contemporânea e a carta de vinhos bastante interessante.
No dia seguinte, ponha no topo do roteiro uma ida ao Algar do Carvão, o cone vulcânico que lhe permite viajar, literalmente, ao centro da Terra. Leve uma capa de chuva porque a condensação é sempre elevada e escorre água durante toda a visita. A chaminé vulcânica tem uma cratera de 15 metros por 20 e termina numa lagoa de águas muito límpidas – e muito frias – 90 metros abaixo. É uma verdadeira viagem pela força da natureza e pela história da criação do arquipélago. Escadas e túneis construídos nos últimos anos permitem a visita ao vulcão, mas tenha atenção porque nem sempre está aberto ao público. Por uma questão de conservação dos elementos, há meses em que o Algar só recebe visitas uma vez por semana.
Depois de descer ao centro da Terra suba ao topo do mundo – ou da ilha – e encante-se com a vista da Serra do Cume, onde o verde e o azul lhe encherão a alma. Precisa de retemperar forças antes de provar os bolos D. Amélia numa das mais emblemáticas pastelarias da ilha, O Forno. A proprietária, Ana Maria, conta a história da doçaria conventual e explica como um bolo feito com ingredientes considerados pobres – farinha de milho ou melaço – e especiarias exóticas trazidas da Índia encantaram aquela que foi a primeira rainha de Portugal a visitar a Terceira. Prepare-se para comer pelo menos dois seguidos, porque um lhe vai saber a pouco, e respire fundo. É que há uma visita que não pode falhar e para a qual precisará de mais estômago: na fábrica dos queijos Vaquinha, uma empresa familiar, produz-se o mais antigo queijo curado da ilha. O nosso favorito foi o picante, mas há ainda o tipo ilha, o tradicional ou o ilha Terceira. Antes de seguir para o obrigatório restaurante Galantas – onde só há doze lugares e portanto tem que reservar assim que pousar os pés na ilha – percorra a estrada que passa pelo monte Brasil e faça uma visita. O cone de um extinto vulcão oferece-lhe um verdadeiro encontro com a natureza, para além de ainda lhe dar a possibilidade de ver golfinhos a brincar na água.