A economia mundial ficou sobressaltada com as notícias vindas dos EUA da falência do Silicon Valley Bank (SVB), o principal banco para startups tecnológicas dos EUA, cujo desmoronamento precipitou o fim de outras instituições, o Signature; e o Silvergate Financial Bank.
O SVB é a segunda maior insolvência do setor bancário norte-americano, e a maior insolvência bancária desde a queda do Washington Mutual, em 2008, que levou, juntamente com o Lehman Brothers, ao colapso do sistema financeiro americano e gerou uma crise mundial.
Depois da pandemia e da guerra na Ucrânia sem fim à vista, esta falência pode precipitar uma nova e mais agravada crise financeira semelhante à de 2008?
De uma forma geral, os especialistas entendem que não, dado que as instituições insolventes são, apesar da sua dimensão, setoriais, sobretudo ao nível de empresas emergentes.
A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, sublinha que “o sistema bancário norte-americano é seguro e bem capitalizado, é resiliente. Os norte-americanos podem confiar na segurança e solidez do nosso sistema bancário”
Desde a crise financeira de 2008, os bancos devem dar garantias acrescidas de solidez aos reguladores.
Porém, não deixa de ser de assinalar o facto de, pese embora toda a blindagem que os supervisores americanos e europeus passaram a exigiram aos bancos após as crises do subprime, o cenário de falências reaparecer.
O colapso do SVB abriu, de resto, uma “guerra” partidária, com os democratas a argumentarem que as alterações ocorridas na era Trump nas regras de supervisão bancária minaram a estabilidade dos bancos regionais, alegações que os republicanos rejeitam.
Em questão estão as mudanças na Lei Dodd-Frank aprovada em 2018, impulsionadas pelos republicanos, que elevaram o limite no qual os bancos são considerados sistemicamente arriscados e sujeitos a uma supervisão mais rígida de US$ 50 biliões para US$ 250 biliões. O Silicon Valley Bank tinha US$ 209 biliões em ativos no final do ano passado, enquanto o Signature Bank tinha cerca de US$ 110 bilhões.
Ou seja, estavam à margem dessa supervisão mais rígida, pelas regras aprovadas em 2018.
“Vamos ser claros. A falência do SVB é resultado direto de uma absurda lei de desregulamentação bancária de 2018 assinada pelo [ex-presidente republicano] Donald Trump, à qual me opus fortemente”, refere o senador Bernie Sanders em comunicado.
Os republicanos rejeitaram a ideia de que as mudanças feitas durante os quatro anos de Trump na Casa Branca eram as culpadas.
O republicano Bill Hagerty, entende que o que aconteceu foi “em todos os sentidos, uma falha administrativa, tanto do ponto de vista da administração do SVB quanto da Fed de São Francisco”.
Hagerty considera que o Congresso deveria determinar quem era responsável entre os reguladores do San Francisco Federal Reserve Bank e dentro da administração do SVB antes de considerar novos regulamentos.
“Onde estava a Fed de São Francisco?”, acrescentou, dizendo que a evidência sobre o crescimento recente e o modelo de negócios do banco deveria ter levado as autoridades da Fed a antecipar problemas.
Hagerty também disse que ele e o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, conversaram no domingo e concordaram que os mercados podem permanecer agitados por alguns dias. “Minha esperança e expectativa é que, à medida que os mercados digerirem as informações que estão lá, os mercados se acalmem e se acalmem”, disse o republicano do Tennessee.
Num artigo de opinião para o New York Times, a senadora democrata Elizabeth Warren colocou parte da responsabilidade nos reguladores bancários, a quem ela acusou de “deixar as instituições financeiras assumirem riscos”.
“Está claro que houve grandes falhas aqui”, disse Jonah Crane, sócio do Klaros Group e ex-funcionário do Departamento do Tesouro. “Por um lado, a Fed só fez um teste de stress uma vez para um ambiente de alta taxa de juros, apesar de saber que teria que aumentar as taxas.”
Causa da falência
O SVB era o 16º maior banco dos EUA, mas desempenhava um palel crucial para a comunidade de startups, através do seu financiamento.
O banco SVB foi encerrado pelas autoridades norte-americanas na sexta-feira, um dia depois do seu valor ter caído 60% na bolsa de Nova Iorque.
A queda em desgraça do SVB foi resultado de uma corrida anormal aos depósitos do banco à qual o SVB não conseguiu dar resposta.
A situação do SVB relaciona-se também com a política monetária definida pela Fed, com subidas constantes das taxas de juro nos Estados Unidos que têm levado os clientes a colocarem o seu dinheiro em produtos financeiros que garantem melhor rentabilidade do que os depósitos bancários.
As taxas de juro nos EUA passaram de 0,25% em 2020 para 4,75% em fevereiro último e as tecnológicas e startups retiraram bastante dinheiro das suas contas nos últimos meses.
Para ter liquidez, o banco anunciou que procurava fazer rapidamente um aumento de capital e que venderia 2,25 mil milhões de dólares em novas ações. O anúncio desencadeou o pânico entre as principais empresas de capital de risco, o que fez com que os investidores retirassem o dinheiro do banco.
Em dois dias, o banco ficou descapitalizado e acabou por falir.
Com a memória de 2008 presente, autoridades querem evitar efeito dominó com falência de Silicon Valley Bank.
Este fechar de portas foi o terceiro no espaço de quatro dias, depois do nova-iorquino Signature ter também falido, ele que era um dos maiores bancos ligados à indústria das criptomoedas e sofreu com a morte do SVB, e o Silvergate Financial Bank.
Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, afirma que os responsáveis pela falência de bancos no país vão prestar contas e a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, recusou um resgate ao banco, garantindo que os depósitos estão garantidos.
“Durante a crise financeira, houve investidores e proprietários de grandes bancos que foram resgatados e as reformas implementadas significam que não faremos isso novamente”, disse Yellen à CBS.
Ondas de choque?
Apesar do susto, os analistas consideram que é pouco provável que outros bancos, especialmente de maior dimensão, sofram as ondas de choque do colapso do SVB.
Para a Morgan Stanley, “as pressões de financiamento com as quais o SVB se confrontou são muito particulares e não devem ser consideradas a norma para os outros bancos regionais”.
De acordo com o economista-chefe da Moody’s, Mark Zandi, citado pela CNN, “os bancos que agora estão com problemas são pequenos demais para serem uma ameaça significativa”, acrescentando que “o sistema está bem capitalizado”.
Seja como for, para evitar mais abalos, a Reserva Federal (Fed) americana, o banco central norte-americano – comprometeu-se a emprestar os fundos necessários a outros bancos para que possam responder aos levantamentos dos seus clientes.
Mediante este cenário e as dificuldades sentidas por alguns bancos, há também a perspetiva de a Fed desacelerar o ritmo de subida das taxas de juro , o que anima os investidores.
Discursos de serenidade na Europa
Pela Europa, também os discursos dos responsáveis são de serenidade. O ministro das Finanças, Fernando Medina, garantiu o sistema bancário europeu não é comparável aos dos EUA, sendo “mais robusto” e tendo “regras mais apertadas”, instituídas após a crise financeira de 2012/13.
“O sistema bancário europeu está sujeito à supervisão do Banco Central Europeu (BCE), tem regras mais rígidas [do que as dos EUA], está muito mais robusto, a supervisão e a regulação tiveram uma mudança grande nestes anos pós-crise financeira”, disse Medina.
Também do lado francês, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, veio a declaração de que o colapso do banco norte-americano não representa riscos para o sistema bancário do país.
Os “bancos europeus, todos e não apenas os grandes, têm saldos equilibrados segundo as normas de Basileia”, diz Paolo Gentiloni, comissário europeu para os Assuntos Económicos.
Gentiloni garante, por isso, que não haverá “qualquer contágio direto” para o sistema bancário europeu. Isso não anula, porém, que os investidores fiquem nervosos e as bolsa tremam, levando ainda o seu tempo a serenar.
* com agências