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No ano passado, na zona da fronteira perto da cidade de Chaves, foi colocado um outdoor promocional ao vinho do Porto Velhotes para captar a atenção de um dos principais consumidores da bebida, os emigrantes. O slogan era: “Bienvenue au pays des champions d’Europe, Carrágô”. Os viajantes paravam o carro para tirar fotografias e colocá-las…
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A Mosca faz da ousadia uma marca das suas campanhas publicitárias. Os clientes gostam e os consumidores aplaudem.
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No ano passado, na zona da fronteira perto da cidade de Chaves, foi colocado um outdoor promocional ao vinho do Porto Velhotes para captar a atenção de um dos principais consumidores da bebida, os emigrantes. O slogan era: “Bienvenue au pays des champions d’Europe, Carrágô”.

Os viajantes paravam o carro para tirar fotografias e colocá-las nas redes sociais. Isto corresponde à visão estratégica do fundador da Mosca. “Hoje em dia, os anunciantes querem tudo integrado na mesma agência, que saiba trabalhar em outdoor, televisão e redes sociais”, refere

Manuel Soares Oliveira, fundador da empresa. Para a Mosca, o digital é só um dos meios para publicitar uma marca, o que interessa são as ideias e a capacidade técnica de as executar.

A Mosca não é uma agência de publicidade tradicional. Logo à entrada, enquanto se sobe as escadas, há luzes a piscar e música disco sound. No interior, divididos por gabinetes, vários criativos passam o tempo a revolucionar o mercado: desde a aplicação que permite a qualquer português tirar uma Marcelfie, ao jogo “ajuda a rainha do pop a estacionar”.

Esta é uma empresa que deseja fazer a diferença para o cliente.

“A máxima ambição de qualquer anunciante é criar empatia com a marca. Nós devemos respeitar a inteligência do consumidor. Por exemplo, há anúncios de detergentes para a máquina que tratam a mulher como se fosse cientista, ao apresentar uma nova fórmula, ou como se fosse um objecto, a dizer que a roupa está mais branca e o marido situado atrás dela. Não faz sentido”, salienta Manuel.

Criada há cinco anos, a Mosca já realizou trabalhos para clientes como a Wiko, E.Leclerc, Velhotes, Licor Beirão ou Café Império. “Somos um grupo pequeno em Portugal e, por isso, vimos na Mosca uma agência à nossa dimensão. É flexível, reactiva e conseguimos montar uma campanha com a rapidez que precisamos”, explica Filipe Machado, administrador do E.Leclerc.

Uma das mais recentes campanhas tem uma personagem inspirada em Carmen Miranda. Com uma adaptação de “O que é que a baiana tem?” como banda sonora, esta cadeia de hipermercados evidencia a qualidade das suas frutas, legumes, carne, peixe e pão.

Há outras em que a história é passada num confessionário, numa conferência de imprensa de futebol ou numa conversa íntima entre um casal. Para Manuel, este é um cliente com coragem. “Têm menos budget do que outros concorrentes e até podiam ter feito um filme comum, com um tipo aos berros a dizer ‘comprem já’, mas preferiram arriscar”.

O Café Império, localizado na Avenida Almirante Reis, acaba por ser o cliente mais desafiante para a equipa de criativos. Sempre com a mesma foto (um bife num prato), a Mosca já realizou diversas campanhas para as redes sociais.

Numa delas, desenvolveu uma acção para o dia 1 de Abril. O restaurante adoptou o dia das mentiras como o dia do político e decidiu oferecer aos políticos da Assembleia da República 23% de desconto no estabelecimento.

A mensagem foi amplamente difundida no Facebook. Não apareceu qualquer político, mas o espaço encheu-se de outros clientes curiosos. “O Café tem um orçamento muito pequeno, mas permite uma criatividade muito grande. Fazemos dessa falta de recursos a força da campanha e conseguimos nas redes sociais um alcance maior do que a Portugália ou o McDonald’s”, explica Manuel.

A ousadia compensa

Numa das paredes do edifício da empresa está um retrato a óleo do Barão de Mosca, que, diz a lenda, inspirou a fundação da agência. Bem, na verdade “é toda inventada, mas conta uma história.

E, por isso, recorreram não só a um artista para criar a pintura, mas também “a um historiador que escreveu a biografia do personagem e a um heráldico que inventou e descreveu as armas da família do Barão de Mosca”.

A lenda chegou à Wikipédia. “Mas a marosca foi descoberta e a página foi retirada ao fim de uns dias”, conta o fundador.

A Mosca é uma agência de ideias, portanto a imagem do escritório é secundária. A sala de reuniões é um refúgio: isolada e com “boa música”, é sobretudo uma sala de brainstorming e de no screen meetings.

É onde “fazemos várias reuniões com os criativos e que são reuniões sem computadores e sem telemóveis”, pois não há nada mais frustrante do que querer fazer uma reunião e estarem todos a olhar para os telemóveis.

Marina Ribeiro, amiga do criador da Mosca e com 35 anos de carreira em agências de publicidade, considera que Manuel tem mundo e uma cultura geral bastante alargada, que o permite destacar-se no meio da multidão. “Tem a capacidade de absorver o que se passa à volta dele e sintetizar criativamente, o que é muito útil para a profissão e para a vida. Isto acrescido de um sentido de humor apurado”, sublinha a amiga.

Depois de anos de travessia no deserto, marcado por enormes dificuldades financeiras, o mundo publicitário vivenciou um período próspero nos últimos anos. Para a Mosca, isso revelou-se num crescimento médio anual de 15% do volume de negócios desde 2015.

A bonança em redor do negócio das agências de publicidade foi visível com a concretização de uma série de operações de fusões de agências nacionais com outras de redes internacionais, como foi o caso da BAR com a Ogilvy, ou da entrada da Dentsu Aegis no capital da Partners.

Não está nos planos da Mosca passar por um processo semelhante, desde logo porque Manuel considera que a concentração pode levar a uma perda de identidade. “Esta é uma boa altura para ser independente e mostrar alternativas. Quando um cliente convida duas ou três agências para um briefing, que convoque uma ousada. É aí que eu gosto que a Mosca esteja”.

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