Harpoon: “Pensamento crítico, criatividade, empatia é algo que as máquinas não podem fazer. Só as pessoas”

Matthieu Douziech entrou na L'Oréal aos 19 anos, mas aos 36 decidiu deixar o projeto para trás por amor. "Conheci a minha mulher na L'Oréal em Madrid, é portuguesa e é a razão pela qual optei por sair da L'Oréal, por amor, reinventar-me com 36 anos na altura e criar uma empresa que ia resolver…
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O foco do Harpoon é o talento, aquele que vai para lá dos dados que se colocam num currículo padrão. O conceito da empresa de recursos humanos funciona e o crescimento do negócio é prova disso.
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Matthieu Douziech entrou na L’Oréal aos 19 anos, mas aos 36 decidiu deixar o projeto para trás por amor. “Conheci a minha mulher na L’Oréal em Madrid, é portuguesa e é a razão pela qual optei por sair da L’Oréal, por amor, reinventar-me com 36 anos na altura e criar uma empresa que ia resolver as minhas dores nos Recursos Humanos (RH)”, diz à FORBES. Foi assim que nasceu o Harpoon, que mais tarde recebeu Maria Falcão inicialmente como candidata em busca da ferramenta e atualmente como diretora executiva.

Qual é o passo a passo para quem quer procurar emprego através do Harpoon?
Maria Falcão (MF): Podem contactar-nos espontaneamente, mas nós pedimos sempre para fazerem o preenchimento dos dados na nossa plataforma, depois temos um consultor internamente que vai verificar esses dados. Não existe ninguém na nossa base de dados que não tenha sido entrevistado pela nossa equipa. Têm de responder a três perguntas que fazem logo um crivo muito grande e uma seleção, por isso nós dizemos que a nossa base de dado sé ultra qualificada. Ou seja, não é talento indiferenciado, nem é qualquer pessoa que entra numa base de dados do Harpoon. Nós conseguimos colocar algumas dimensões que vão para lá daquilo que está escrito no currículo, dimensões comportamentais. E isto também funciona para o lado do cliente.

Matthieu Douziech (MD): O Harpoon não é uma base de dados, é uma comunidade, faz uma diferença brutal. As três perguntas são o que te faz seres tu próprio, o que te faz acordar todas as manhãs e conquistas de que mais te orgulhas. Sabemos perfeitamente que perdemos pessoas logo na entrada, mas não interessa.

O que é que essas três perguntas iniciais medem?
MD: A semântica, a capacidade de se diferenciar, de criatividade, de empatia, transparência, é isso que medimos.

Com que empresas trabalham atualmente?
MF: Neste momento temos 51 clientes ativos. No total dos clientes com quem já trabalhámos, diria mais de 300 nacionais e internacionais. Clientes com quem trabalhamos neste momento: Lidl, Super Bock, Credibom, Perfumes & Companhia, CUF, Louis Vuitton, Lacoste, Galp. Temos vários clientes de grandes empresas com presença nacional e multinacional, é um orgulho para nós dizer que ao fim de sete anos estamos em sete geografias, nas quais trabalhamos com a equipa local e também com talent partners, e trabalhamos também com empresas pequenas, empresas médias, com fundos de investimento. Eu diria que somos bastante flexíveis e abrangentes no tipo de clientes com quem trabalhamos.

“O Harpoon não é uma base de dados, é uma comunidade, faz uma diferença brutal”

– Matthieu Douziech

Têm algum plano de expansão?
MD: Acho que o crescimento do Harpoon está a correr bem porque é sustentável. Sete anos, sete países. A nossa missão é continuar com este ritmo, em geografias onde há uma necessidade, onde vamos fazer a diferença.

MF: Nós acabámos por trabalhar as geografias exteriores a Portugal que surgiram como uma oportunidade ou havia o cruzamento com os clientes com os quais já trabalhámos e uma necessidade no exterior. Neste momento aquilo que nós estamos a fazer, até para diversificação do nosso negócio, é um esforço consciente de estar presente nessas geografias com a equipa local. E isso faz parte da nossa estratégia, já não é só aproveitar oportunidades que surgem dos nossos clientes, é fazer um esforço para abrir a nossa atividade nessas geografias.

Como tem sido o crescimento da empresa?
MF: Quando eu cheguei ao Harpoon, no início do ano passado, o que vi foi um mercado de recrutamento muito dinâmico, com muitos movimentos a acontecer, fruto de uma pós pandemia, necessidade das organizações renovarem os seus talentos. Detetamos uma oportunidade que foram os programas de desenvolvimento, uma nova área de negócio que criámos no ano passado, muito assente em programas de liderança, coaching e mentoria. Criámos esta nova área, além do recrutamento que já estava a crescer bastante, e tínhamos aqui uma necessidade e um foco muito grande em angariar novos clientes, por isso no ano passado 40% da nossa faturação veio de novos clientes. O primeiro trimestre deste ano foi o nosso melhor de sempre, março foi o nosso melhor mês de sempre e tanto geografias externas como a área de desenvolvimento já pesam 40% da nossa faturação.

Qual foi o valor da faturação em 2022?
MF: Nós não damos os números, mas podemos dizer que crescemos 80%.

MD: Também um ponto que é importante, em França estamos a desenvolver um eixo de negócio que é B2C, negócio orientado para candidatos. Acompanhamos essencialmente top managers ao longo do tempo, sob uma base anual, e ajudamos estas pessoas através de três pilares. O primeiro pilar chama-se guidance, sessões de coaching ou de mentoring uma vez por mês dependendo do que a pessoa precisa, um segundo pilar que é enrichment, basicamente criamos grupos de codesenvolvimento entre talentos para falar de problemáticas de liderança ou negócio, organizamos masterclasses, e o terceiro pilar chama-se HR consierge, que é muito mais à la carte, em função do que as pessoas necessitam. Eu estou absolutamente convencido que este negócio tem imenso potencial, não sei se tem em Portugal, tenho as minhas dúvidas, vamos experimentar e continuar a fazer crescer este negócio no norte da Europa e depois vemos se pode fazer sentido implementar um modelo do género em Espanha, Portugal.

Porque é que há tantas diferenças entre os mercados a Norte e Sul da Europa?
MD:
Vou ser honesto, a maturidade em RH é diferente.

A situação económica atual está a causar problemas ou as empresas continuam à procura?
MF: Ainda não sentimos retração dos nossos clientes. Sentimos um movimento de alguma precaução. Normalmente o que existe em RH quando as empresas estão preocupadas é um travão, oficialmente é chamado o hiring freeze, em que se congelam novas contratações e normalmente só há substituições de pessoas que saem. Eu diria 10% dos nossos clientes estão com esta preocupação, mas como nós temos um esforço muito grande em entrar em novos setores, procuramos setores que à partida não sejam afetados pela crise. O que verificámos nas tecnológicas, o que aconteceu globalmente e em Portugal foi um ajuste, porque depois de uma fase muito otimista e com muita contratação foi necessário regular o que é a força de trabalho dentro destas organizações. Daí falarem-se dos despedimentos coletivos, mas isto são ciclos de mercado por isso estou perfeitamente confiante que vai estabilizar no próximo ano para estas empresas tecnológicas, virá uma nova onda de otimismo. O tema da inflação terá impacto nas famílias, o que é que sentimos na perspetiva de contratação? Muito maior poder negocial por parte dos candidatos. Ou seja, os candidatos querem ter melhores condições, porque isso afeta o rendimento das famílias.

E o número de candidatos aumentou no pós-pandemia?
MF: Acho que na pandemia houve medo de mudar, aquilo que nós sentimos foram menos movimentos no mercado, as empresas tinham medo de contratar e as pessoas tinham medo de sair das organizações. Comparativamente com essa altura há mais movimentos no mercado, mas diria que são os movimentos normais e saudáveis. Há equipas que crescem, há pessoas que ambicionam mudanças na sua carreira ou evoluir.

MD: Acho que a pandemia fez as pessoas refletirem sobre o que elas querem para a vida delas. O propósito. Acho que foi um momento de reflexão para todos.

O otimismo em relação aos despedimentos nas empresas tecnológicas quer dizer que atualmente não há motivos para preocupação?
MF: Eu diria que temos vários fatores que nos podem deixar preocupados e apreensivos, temos a escassez de matérias-primas, o elevado custo de energia, empresas e clientes com uma operação muito mais cara e, portanto, com a necessidade de tornar a sua operação mais rentável e mais eficaz, e daí poder vir a necessidade de reduzir o número de pessoas. Mas existem também novas profissões a aparecer, existe a necessidade de se desenvolver novas competências. Estes movimentos são típicos no mercado, uma revolução industrial foi preocupante, o aparecimento da internet foi preocupante, mas nada disto fez reduzir a necessidade de pessoas para fazerem trabalhos. Temas como o pensamento crítico, a criatividade, empatia é algo que as máquinas não podem fazer e que só as pessoas poderão fazer.

“As pessoas têm vontade de estar em Portugal e de voltar para Portugal”

– Maria Falcão

Portugal está a conseguir reter talento ou as pessoas estão a optar por ir para fora?
MF: Fala-se muito de Portugal ser uma boa escola e de exportar muito talento. Aquilo que nós vimos, também fruto de uma pandemia, é que é possível trabalhar remotamente. Portanto, neste momento não olhamos só para o mercado português. Quando procuramos um candidato não temos uma barreira geográfica, a não ser algumas empresas que fazem de facto questão de cinco dias por semana no escritório. Mas aí até trazemos talento para Portugal. Temos feito mais do que antes o processo de deslocação para Portugal de talento exterior.

MD: É difícil de responder a esta pergunta. O que sinto é que a pandemia mudou bastante as coisas. Acho que existe não uma resistência, mas uma apreensão em relação a mudanças internacionais. ‘E se aparecer uma outra [pandemia]? Vou ficar longe da minha família durante dois anos?’. Enquanto antes havia muita vontade da maior parte dos candidatos de irem para fora, diria que hoje em dia a pandemia contrabalançou um bocadinho mais as coisas.

MF: As pessoas têm vontade de estar em Portugal e de voltar para Portugal.

O trabalho remoto é o mais procurado neste momento?
MF: Eu diria que hoje faz parte do critério de seleção do candidato, se a empresa possibilita ou não. Temos clientes que estão a exigir voltar a um regime 100% presencial e esses estão a perder competitividade face à concorrência porque os candidatos valorizam o sistema híbrido. Até porque houve muitas pessoas que saíram dos grandes centros urbanos, na altura da pandemia, portanto não lhes compensa estarem a vir todos os dias para um escritório. Houve de facto uma mudança de mentalidades.

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