À primeira vista, a experiência académica e profissional de Helena Magalhães parece ter ido de um extremo ao outro, mas a verdade é que esteve sempre tudo conectado. Estudou políticas sociais, porque “tinha uma ideia altamente fantasiosa que queria ir trabalhar para as fronteiras e salvar mulheres”, e criminologia, “porque queria trabalhar em violência doméstica e, mais uma vez, salvar mulheres”. Quando percebeu que não era este o seu caminho, virou-se para o jornalismo numa revista feminina, criou um blogue sobre moda e beleza, dedicou-se aos livros feministas e deu voz a autoras numa indústria que ainda opta por ouvir primeiro os homens.
Os livros sempre fizeram parte da sua vida como leitora, mas sonhar com o universo literário a nível profissional nunca foi fácil para Helena.
“Temos um problema em Portugal, não há representatividade na literatura. Então para mim escrever nunca foi real. Era um escape, mas nunca pensei que poderia ser alguma coisa séria porque não via escritoras como eu. Tinha crescido com escritoras de outro patamar, muito sérias. Não achei que me pudesse enquadrar e não me sentia representada”, explica à FORBES.

Publicou Diz-lhe Que Não, Raparigas como Nós e Ferozes. Essa foi uma das barreiras que quebrou a favor da literatura feminina, algo que está diretamente relacionado com as ambições que sempre teve a favor das mulheres. A verdade é que a história de Helena tem vários capítulos, mas há uma coisa que os une a todos: Ser mulher.
Capítulo 1: Book Club
A dificuldade em comunicar os seus próprios livros foi o que a levou à divulgação de uma série de autores. “Se criar uma página, uma comunidade, e sugerir lermos um livro por mês em conjunto, se calhar depois as pessoas vão querer ler o meu. Foi assim um bocadinho egoísta, não foi propriamente altruísta, mas no bom sentido”, conta Helena.
O Book Gang, um clube do livro, nasceu em 2019 e depressa se começou a notar o sucesso dos livros de cada mês, que melhoraram nas vendas. Foi nessa altura que Helena percebeu que a ideia estava a levar muitas pessoas a lucrar a nível financeiro, menos ela própria. Mas rentabilizar este negócio começou com um conjunto de nãos difícil de engolir.
“Na altura fiz a proposta a dois grandes retalhistas de todos os meses haver uma espécie de código ou de caixa e as pessoas poderem comprar-lhes os livros do Book Gang e eu recebia uma percentagem”, explica. Um dos retalhistas disse um não redondo, enquanto as ideias do outro nunca alinharam com as da autora. Tentou ainda apresentar um pitch à Startup Lisboa, mas o resultado foi o mesmo: “Fui brutalmente arrasada numa sala cheia de homens. Apesar de ter mostrado casos de sucesso de negócios semelhantes noutros países, disseram que era um negócio que não tinha qualquer viabilidade ou rentabilidade, que mais valia continuar a dedicar-me à minha vertente cultural de divulgar livros em vez de o tentar transformar num negócio”, lembra.
Sem uma livraria parceira e com esta ideia em mente, a única opção foi tornar o clube do livro a sua própria livraria. Começou a comprar os livros às editoras, ao preço de retalhista, e a vendê-los na plataforma online ao preço do mercado, como é regra no país. “Tens uma margem. A do Book Gang é mais pequena, claro, do que a das livrarias grandes, mas a margem de uma livraria pode ir até aos 50%”, diz.

Hoje o Book Gang é muito mais que a ideia inicial, é um sistema de subscrição de caixas literárias, uma livraria independente e uma curadoria a pensar numa comunidade em particular. As caixas, que chegam a casa dos leitores ao dia cinco de cada mês, podem ter dois (a partir de 39,90 euros), três (a partir de 52,90 euros) ou mais livros que optem por adicionar ao carrinho. Uma vertente do negócio que nasceu durante os primeiros meses da pandemia causada pela covid-19 e que triunfou em tempos difíceis.
“É um negócio ótimo, não é concorrente das livrarias. Acho que é uma win-win situation. Ao mesmo tempo que eu consegui implementar o meu negócio, a curadoria do Book Gang já atingiu um cunho tão forte em Portugal, que os livros têm um boost de vendas no país inteiro. É uma contribuição para a indústria, não só um negócio pessoal. Eu vendo, eu ganho, mas toda a gente ganha. As editoras ganham, as livrarias ganham, os autores ganham”, considera Helena.
Por mês reúne no mesmo local entre 400 a 500 leitores, entre os que subscrevem as caixas e os que compram livros em separado. Pessoas que, assim, garantem que a leitura se torna rotina. Ao mesmo tempo, contribui para que Portugal se torne mais adepto dos livros, algo que não tem caracterizado os portugueses.
“Lê-se muito pouco em Portugal em primeiro lugar porque as pessoas não sabem o que ler, em segundo lugar porque não temos comunicação de livros, em terceiro porque temos uma indústria extremamente antiquada e estagnada, em que uma pessoa vai à livraria e os livros que estão destacados, em 90% dos casos, não são livros cativantes, que criam leitores. As pessoas leem pouco porque têm más experiências com os livros”, defende Helena.
Aliada ao Book Gang está outra marca criada por Helena: a Magapaper. “Vem tudo dos livros”, explica. Quando não conseguia encontrar um book journal, decidiu criá-lo e começar a comercializar. Sem conseguir um bom contrato com uma gráfica, fez tudo manualmente, até mesmo quando o número de agendas, que também vende hoje em dia, chegou às 500. Fez questão também de comprar todos os materiais que usa em Portugal, acreditando sempre que “um negócio, mais do que um produto, é a sua história e filosofia”.
“Estava numa situação financeira extremamente precária quando comecei a meter na cabeça: Vou criar a Magapaper. Sem dinheiro, pedi emprestado para comprar as máquinas, lancei uma edição limitada de book journals, uns 100, e vendi tudo num dia”, conta.
Esta empresa responsável por toda a papelaria do clube do livro e o próprio Book Gang renderam em vendas, e sem as reduções dos custos que envolvem estes negócios, cerca de 160 mil euros em 2021 e 90 mil euros em 2020.
Capítulo 2: Aurora
Helena continuou sem virar as costas à luta e, novamente pelas mulheres, abraçou o projeto “Aurora”. “O grupo Infinito Particular fez-me o convite, no verão passado, de criarmos uma chancela só para publicar mulheres portuguesas e para trazer autoras, para trazer literatura contemporânea feminina”, explica. Foi-lhe dada liberdade total para escolher as histórias e isso, a par do enriquecimento do mercado, foi o que a levou a aceitar.
“Achei que podia ser uma coisa que iria enriquecer o mercado em Portugal. A maioria das pessoas não tem consciência disso, mas em Portugal publicam-se maioritariamente homens, lê-se maioritariamente homens. Se formos às prateleiras nas livrarias, por exemplo, da ficção nacional, cerca de 80% são escritores homens”, diz.
Trazer um livro para Portugal é “um processo extremamente demoroso e muito difícil”. Em primeiro lugar, o problema dos valores que se praticam lá fora, uma vez que há livros com direitos de autor muito elevados. As capas também podem ser um problema, visto que as editoras portuguesas nem sempre conseguem cobrir os custos de garantir que as capas não são alteradas, algo que muitos leitores gostam.
“Vale a pena pagar isto tudo que vamos pagar sem saber se é um livro que vai vender? Não. Porque o mercado português é um mercado de roleta russa, nunca sabemos o que vai funcionar, cada livro é um risco. Mas também é um desafio muito bom e gratificante”, garante Helena.
As despesas também são muitas. “Depois de o livro estar publicado, a editora já teve que pagar direitos de autor, royalties, tradução, revisão, design de capa, impressão, distribuição e depois sobra um bocadinho de lucro para a editora. A maior fatia vai para a livraria, que tem uma margem muito grande, depois a editora tem que pagar todos os custos e sobra uma fatia muito pequenina”, explica a escritora.
Helena confessa que o que a deixa mais orgulhosa é mesmo dar a conhecer novas autoras portuguesas, mais do que trazer obras internacionais para Portugal. E os carimbos Aurora e Book Gang parecem estar a resultar da melhor forma: “O maior resultado para mim neste momento é as editoras dizerem-me que os livros que eu vou escolher para o Book Gang já são livros com uma tiragem maior porque vão vender mais”.
Artigo publicado na edição de outubro/novembro 2022 da Forbes Portugal.