Incubação 2.0

Celso Martinho conhece o universo do empreendedorismo por dentro. Mais de metade dos seus 46 anos de idade passou-os a inventar ou, como se diz agora, a inovar. No currículo conta com projectos marcantes da evolução e do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) em Portugal, como o portal Sapo e o sistema…
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Não são um fenómeno novo, mas nos últimos anos a criação de incubadoras e programas de aceleração atingiu contornos virais.
Negócios

Celso Martinho conhece o universo do empreendedorismo por dentro. Mais de metade dos seus 46 anos de idade passou-os a inventar ou, como se diz agora, a inovar. No currículo conta com projectos marcantes da evolução e do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) em Portugal, como o portal Sapo e o sistema de pagamentos Meo Wallet, entre outros. Mas, no ano passado, decidiu assumir um papel diferente no ecossistema nacional da inovação tecnológica. Em Maio de 2016, juntou-se à Sonae IM para, juntos, fundarem a Bright Pixel.
Nos últimos anos, as incubadoras de empresas com enfoque directo ou indirecto nas TIC têm-se multiplicado. Segundo dados divulgados na “Semana do Empreendedorismo”, realizado em Lisboa, no passado mês de Maio, só na capital, o número destes viveiros de empresas triplicou de seis para 18 nos últimos quatro anos, isto sem contar com os 40 espaços de coworking e outros tantos FabLabs (laboratórios de criatividade) criados. Contudo, o fenómeno está a ter réplicas um pouco por todo o país. Até Maio, só no IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, estavam acreditadas 91 incubadoras para acompanhar as start-ups concorrentes aos “Vales de Incubação” e “Voucher Startup” – apoios concedidos no âmbito do programa nacional de incentivo ao empreendedorismo StartUP Portugal. Porém, segundo os dados da Rede Nacional de Incubadoras (RNI), haverá mais de 130 incubadoras espalhadas pelo país, um número que não pára de aumentar. Celso está a par do fenómeno. “Procurámos um modelo que não fosse mais do mesmo”, explica o responsável da Bright Pixel, adiantando que “se há coisa que os empreendedores de hoje não se podem queixar é da falta de apoios e instrumentos para dar os primeiros passos”.
Definindo-se como um venture builder studio, a Bright Pixel tem algumas características diferenciadoras da concorrência. Uma delas é que além de incubar start-ups externas, escolhidas após um processo de avaliação, gera ideias, acelera a sua transformação num negócio e dota-as do capital semente necessário para que possam crescer fora de portas. O Probe.ly, uma aplicação que identifica as vulnerabilidades em websites é um exemplo. Surgida de uma espécie de estufa interna (Labs), este projecto conseguiu em pouco mais de um ano desenvolver-se e validar um produto, e está pronto para voar sozinho.

Na Era das universidades

Embora viva um período sem precedentes,
a existência de incubadoras em Portugal não é um fenómeno novo. Celso é um exemplo disso mesmo. O portal Sapo, que na década de 1990 marcou os primeiros internautas, nasceu e cresceu na Universidade de Aveiro, quando o agora presidente-executivo da Bright Pixel era apenas um estudante. Apesar de com menos eco do que actualmente, as universidades sempre tiveram um papel relevante no desenvolvimento de novas tecnologias e negócios, embora com uma visão mais curta que a actual. “Naquele tempo não havia sequer a noção do que era um empreendedor ou uma start-up, havia empresas e empresários”. O programa do curso de Engenharia Electrónica até já tinha uma disciplina dedicada ao empreendedorismo. “O professor era um senhor que tinha uma fábrica de bolachas em Aveiro que nos ensinou tudo sobre linhas de montagem de pacotes de bolachas”, diz.
Devido às universidades ali residentes, em cidades como Aveiro, Coimbra, Porto e Lisboa, a incubação de empresas de cariz tecnológico em Portugal conta pelo menos com 20 anos de história. Em Coimbra, por exemplo, a actividade da incubação no Instituto Pedro Nunes, criado pela Universidade de Coimbra em 1991, começou por volta de 1996. Desde então, foram ali criadas 271 empresas, algumas delas bem conhecidas do público actual, como a Critical Software, uma empresa de sistemas de informação fundada em 1998, que tem hoje uma carteira de notáveis clientes a nível mundial, como a agência espacial norte-americana (NASA) e a europeia (ESA), entre outras (saiba mais sobre a Critical e o seu fundador, Gonçalo Quadros, a partir da página 22).
Foi também no IPN que nasceu a Crioestaminal, pioneira no isolamento e criopreservação de células estaminais do sangue. Mais a norte, a UPTEC – Parque de Ciências e Tecnologia da Universidade do Porto, conta com um total de 450 projectos incubados desde a sua fundação, em 2006, e actualmente tem 197 em estufa, um passado e um presente que a tornam na maior incubadora de empresas nacional. E, em Lisboa, foi do NOVA Madan Parque, fundado ainda no século passado (1997) pela iniciativa da Universidade Nova de Lisboa que nasceram a YDreams, uma tecnológica que apesar do actual período menos bom é um dos grandes exemplos nacionais de empreendedorismo tech. E é também ali que Celso lidera o desenvolvimento tecnológico da Artica, uma empresa de computação aplicada à robótica.

A união está a fazer a força

Tal como no passado, as universidades continuam hoje a ter um papel relevante na área da incubação, mas já não estão sozinhas e abordam o trabalho numa óptica mais pragmática. Como acontece ao longo do ciclo de vida de um software, a incubação de empresas está a atravessar uma nova fase de desenvolvimento, assente em vários factores. Um deles é a pluralidade de actores e a maior interacção entre eles. O Estado, que numa versão inicial era um mero espectador passivo, tem hoje um papel de destaque na programação de todo o ecossistema. Pela linguagem do programa – StartUP Portugal –, o Governo está a levar o espírito do empreendedorismo a todos os cantos do país. Actualmente, não há município que não tenha ou não fomente uma incubadora, um cowork ou um FabLab. “É uma forma de reter a inovação e os empresários na sua região”, diz Celso.
Tal como nas incubadoras das universidades, onde há a tendência para a especialização em determinadas áreas científicas, nas incubadoras promovidas pelos municípios é frequente existir uma relação próxima e de parceria com as actividades económicas dominantes na região. Por exemplo, enquanto a Associação da Incubadora Beira Atlântico Parque – AIBAP, promovida pelos municípios de Mira e Cantanhede, dá um enfoque às actividades relacionadas com a economia do mar, em São João da Madeira, a Sanjotec está mais vocacionada para a robótica e a automação industrial devido à predominância do sector secundário naquela região. Isto só é possível porque há hoje uma maior presença das empresas na ligação entre a inovação e as necessidades do mercado. “Quando se escolhe uma incubadora, a rede de contactos com o mercado e a especialização estão entre os critérios mais importantes”, explica Filipe Ávila da Costa, fundador da Infraspeak, uma start-up que desenvolveu um software de gestão de manutenção de edifícios que está a mudar a forma como fábricas e hotéis gerem as suas unidades, exemplificando que se tivesse em mãos um projecto na área da biotecnologia, a incubadora BioCant, em Cantanhede, seria a escolha óbvia em Portugal.
Actualmente não há incubadora que não esteja ligada a uma universidade, a uma empresa ou a uma associação de empresários. Pelo contrário, são as empresas que fomentam a incubação e a criação de programas de aceleração – uma espécie de cursos intensivos em que os titulares de uma ideia desenvolvem e testam um produto e um modelo de negócio no mercado num curto período de tempo. O programa “Fora da Casca – Fazer diferente para fazer a diferença”, promovido pela Nestlé Portugal em parceria com a NOVA School of Business and Economics, é apenas um dos exemplos mais recentes da interacção entre o mundo académico e o empresarial na promoção da inovação. “A Nestlé tem uma forte componente inovadora, mas acreditamos que existem muito boas ideias fora da empresa que nos podem ajudar”, explicou Luís Ferreira Pinto, responsável da empresa suíça pelo programa que consiste num concurso para start-ups com projectos na área da nutrição saúde e bem-estar em que as três vencedoras serão incubadas e aceleradas nas instalações na empresa.
Seja através de programas de simples fomento da inovação, de incubação ou de aceleração, não há empresa que não queira ter uma participação no ecossistema, proporcionando um ambiente de crescimento em certa forma mais protegido.
A SAP é mais um exemplo. Em 2012, a empresa criou com a “Startup Focus”, um acelerador mundial que, segundo Maria Luísa Silva, responsável pelo projecto em Portugal, “tem como objectivo fomentar a inovação aberta usando a tecnologia SAP”. Embora seja uma empresa do sector tecnológico, inovadora por natureza, Maria Luísa explica à FORBES que o SAP HANA, um software que veio revolucionar os sistemas de informação, “gerou um mundo de oportunidades de inovação que a empresa tem a noção que não é capaz de explorar na totalidade, o que a levou a abrir a plataforma às start-ups para que estas explorem as suas capacidades”. Mas estes são apenas alguns exemplos num universo de milhares que toma contornos exagerados. “É o ‘sabor do dia’. Todas as empresas querem ter um programa de inovação para serem vistas como abertas à inovação perante os trabalhadores, clientes e accionistas, mas acho que algumas não sabem bem o que estão a fazer”, diz Jason Nadal, Lead Evangelist da Microsoft Portugal.
Foi para combater esta realidade que a Microsoft procurou fazer diferente com o programa “Activar Portugal”. “O objectivo é ligar todos os actores do ecossistema: as aceleradoras, as start-ups, as incubadoras, os investidores, Governo, os nossos clientes e os clientes deles”, explica Jason à FORBES.
Na prática, o que a tecnológica faz é receber candidaturas de empresas que, com base em vários critérios de avaliação, são seleccionadas para serem auxiliadas com o apoio dos especialistas da Microsoft e encaminhadas para aceleradoras. Depois, uma vez por ano, a Microsoft selecciona as melhores e convida-as a participar num evento anual onde reúne todos os agentes do ecossistema.

Geração venture

Entrar numa incubadora ou participar num programa de aceleração promovido por uma empresa pode ser vantajoso a vários níveis. Tanto a nível nacional como mundial são cada vez mais as empresas que financiam start-ups. O SAPPHIRE Ventures, da SAP, com uma dotação de 2,4 mil milhões de dólares, é um exemplo de uma estratégia mundial onde a Intel e a Alphabet são os pesos pesados. Por cá, ainda há uma grande diferença ao nível dos zeros, mas as empresas têm cada vez mais um papel importante no investimento das start-ups. É esse o objectivo da Bright Pixel que, devido ao apoio do accionista, tinha, desde o primeiro dia, 1 milhão de euros para investir na fase mais embrionária das start-ups – early stage e seed capital.
Em alguns casos, as empresas dão prevalência aos projectos que acrescentam valor ao negócio da empresa-mãe. É assim na SAP e na Microsoft que privilegiam a área do B2B – business to business. E é assim também na EdP – Energias de Portugal.
“Procuramos empresas que actuem em áreas consideradas relevantes e estratégicas para a EdP, embora a convergência tecnológica seja tão forte que as limitações são cada vez mais escassas”, explica Luís Manuel, administrador-executivo da EdP Inovação. Através da subsidiária EdP Inovação, a energética nacional é uma das empresas nacionais mais activas e capacitadas para financiar empresas. Além de ter um laboratório de prototipagem, promove uma competição de start-ups – EdP Open Inovation -, um programa de aceleração com ou sem incubação física – EdP Starter –, e tem um fundo de capital de risco – EdP Ventures – que já investiu 23 milhões de euros em 12 empresas. Já na Bright Pixel, não é bem assim. “Estamos alinhados com a Sonae, nos verticais do grupo – retalho, telecomunicações, cibersegurança e media – mas não estamos virados para dentro”, diz Celso, sublinhando no entanto que há vantagens para as start-ups que crescem dentro de empresas com áreas de negócio ligadas directa ou indirectamente ao sector da inovação. “O Probe.ly, por exemplo saiu daqui com clientes do universo Sonae, o que é uma mais-valia, tanto em termos de vendas como de credibilidade para conquistar novos clientes”, exemplifica.
Muitas das incubadoras baseiam-se num modelo de prestação de serviços que permita a sustentabilidade do negócio.
Foi assim que nasceu a primeira incubadora do mundo, o Batavia Business Center, em Batavia, Nova Iorque, e é neste modelo que se baseiam muitas incubadoras nacionais. Mas esta realidade está a mudar. Na Bright Pixel, o modelo de negócio não é focado no arrendamento de um espaço e nas receitas oriundas da prestação de serviços, mas sim no investimento.
“Queremos ganhar dinheiro com os investimentos que fazemos”, diz Celso. Para isso, ajuda ter uma empresa como accionista que vai ao balanço próprio buscar os recursos necessários, mas devido às linhas de crédito criadas pelo Governo para a criação de fundos de capital de risco, a orientação para um modelo semelhante ao da Bright Pixel está hoje ao alcance de todas.
Em Agosto, o Fundo de Capital e Quase Capital, gerido pelo IFD – Instituição Financeira de Desenvolvimento, assinou contratos de co-financiamento no valor 175 milhões de euros com 13 sociedades gestoras de fundos de investimento ligadas directa ou indirectamente a incubadoras ou aceleradoras, dotando-as do capital necessário para orientarem o modelo de negócio para o investimento. Devido a esta linha de financiamento, a Bright Pixel aproveitou para multiplicar a capacidade de investimento para 8 milhões de euros.
Outra contemplada foi a Beta Capital, a sociedade de capital de risco associada à Beta-i, organizadora do Lisbon Challenge, o programa de aceleração que tem servido de trampolim para algumas start-ups nacionais – foi após a vitória no programa de aceleração da Beta-i que a Infraspeak teve um convite da 500 Startups para ir até São Francisco acelerar o produto e o negócio da empresa. “Só por entrar, a Infraspeak foi logo investida. Aliás, só podem entrar no programa empresas que sejam investidas por eles”, explica Filipe. E é o que vai acontecer este ano com o Lisbon Challenge. Pela primeira vez, as start-ups seleccionadas para participar recebem à partida um investimento de 10 mil euros em troca de 1,5% do seu capital, um montante assegurado pela Beta Capital. Ou seja, começam a surgir os primeiros mecanismos para que as incubadoras e programas de aceleração se aproximem do modelo adoptado pelos mais conceituados do globo. Com o Governo, as empresas e os particulares envolvidos e interligados no seu desenvolvimento, a incubação e a aceleração de empresas está a evoluir, mas como diz Filipe,
“ainda estamos na fase teenager”.
Na incubação, Filipe passou em 2015 por uma situação reveladora da juventude do sector quando se viu forçado a fundar a Founders Founders. “Estávamos numa fase de expansão e de crescimento rápido e não víamos nenhum espaço em Portugal que nos desse o apoio que precisávamos”, explica o co-fundador da Infraspeak, sublinhando a escassez de incubadoras para start-ups na fase de ganhar escala internacional. Dois anos depois, o mercado validou a ideia de Filipe e a Founders Founders tem hoje 16 projectos em incubação. Segundo o gestor, passa-se algo semelhante com os programas de aceleração: há muita oferta para start-ups na fase inicial, mas para obter visibilidade e notoriedade mundial é preciso ir acelerar lá para fora. “São ligas diferentes, se queres estar e aprender com os melhores tens que ir lá para fora”, diz, sublinhando que cada edição do programa 500 Startups tem 1500 concorrentes à escala mundial, muitas delas com fundadores que já contam com um ou mais exits – vendas – no currículo. “Ainda nos falta experiência”, diz Celso, que já viveu uma bolha – a das empresas tecnológicas no ano 2000 –, por isso, diz já não ser ingénuo, mas também não vê nada de mal no actual exagero em torno da incubação e dos programas de aceleração. “É a famosa curva de Gartner”, diz, a rir, referindo-se à conhecida representação gráfica da firma norte-americana com o mesmo nome que demonstra a evolução temporal da adopção de uma nova tecnologia, caracterizada por uma rápida ascensão inicial até atingir um pico – o hypeside –, seguida de um declínio acentuado para depois retomar uma nova fase de crescimento, mais sustentável – a fase da maturidade. “Às vezes é necessário criá-lo [o hype] e foi preciso para atrair a Web Summit, por exemplo”, e está confiante que a actual realidade que se vive não vai desaparecer depois do efeito catalisador da Web Summit.
Algumas incubadoras irão encerrar, outras não passarão da fase cowork, mas há algumas que estão no caminho certo para que Portugal e, em particular Lisboa, chegue à liga de ecossistemas como o de Berlim, Londres ou Barcelona. Para Celso, a Bright Pixel é um deles.

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