“Invistam, mesmo que sintam que não sabem tudo, porque a melhor forma de aprender é através da ação”

“As mulheres crescem em países com tantas barreiras estruturais e sistémicas à sua volta. Não há nada de mais impactante que possam fazer do que aprender a gerir o seu dinheiro. E essa é basicamente a única maneira de se libertarem verdadeiramente de todas as barreiras estruturais que as bloqueiam”, afirma Anna-Sophie Hartvigsen à Forbes.…
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Ano novo, nova lista de objetivos. Só que desta vez a alínea ‘começar a investir’ é das que aparece concluídas no final de 2025. É para isso que a Female Invest e Carmen Montero Mundt trabalham.
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“As mulheres crescem em países com tantas barreiras estruturais e sistémicas à sua volta. Não há nada de mais impactante que possam fazer do que aprender a gerir o seu dinheiro. E essa é basicamente a única maneira de se libertarem verdadeiramente de todas as barreiras estruturais que as bloqueiam”, afirma Anna-Sophie Hartvigsen à Forbes.

Foi a esta conclusão que chegou aos 19 anos, quando conheceu Camilla Falkenberg e Emma Due Bitz na Copenhagen Business School. “Criámos imediatamente uma ligação entre esta paixão pelo investimento e a frustração pela falta de mulheres na área. Decidimos começar algo e era suposto ser uma coisa pequena”. Só que essa coisa pequena, que começou como um grupo no Facebook com o nome Female Invest, tornou-se uma plataforma com 77 mil subscritores provenientes de 125 países, escritórios em Londres e em Copenhaga, um total de 23 milhões em investimentos e com uma comunidade de mais de 500 mil mulheres nas redes sociais. As três conseguiram transformar o projeto no negócio das suas vidas.

“Lançámos uma página no Facebook, transformámo-la numa organização sem fins lucrativos e depois explodiu. Acabámos por fazer eventos educativos presenciais para mais de 25 mil mulheres em ano e meio, o que foi uma loucura. Foi então que vimos que este tópico era realmente muito, muito maior. Por isso, transformámo-lo numa empresa”, afirma.

O que leva as mulheres a não investir?

“Penso que se trata de uma questão bastante complexa e que tem raízes na história e nos estereótipos”, defende Anna. E as pesquisas são claras: Por norma, as mulheres são vistas como as pessoas que gastam, enquanto os homens entram no grupo dos estrategas e investidores. E esta realidade acaba por ter influência na forma como mulheres e homens são aconselhados a gerir o seu dinheiro.

“Está provado que os pais têm mais probabilidades de educar os rapazes sobre como construir riqueza e as raparigas sobre como poupar. E está provado que, ao longo da vida, as mulheres recebem conselhos diferentes quando se trata de dinheiro. Mesmo os consultores financeiros, em média, têm mais probabilidades de aconselhar as mulheres a poupar e os homens a investir”, conta Anna.

Se aliarmos esta realidade ao facto de a indústria financeira continuar a ser maioritariamente ocupada por homens, o que leva a uma falta enorme de exemplos a seguir por parte das meninas, acaba por se manter aqui uma receita para afastar as mulheres do tema do investimento.

Mas o problema não termina aqui. Existe ainda uma questão de conveniência.

“Penso que poucas pessoas diriam em voz alta que gostam que as mulheres não tenham este poder financeiro. Mas quando as mulheres têm poder financeiro, isso muda todo o curso das suas vidas. E o que vemos quando perguntamos aos nossos membros qual é a primeira coisa que fariam quando tivessem mais dinheiro, a resposta mais frequente é que deixariam o seu parceiro. Por isso, olhando para os valores patriarcais, que ainda dominam a sociedade, é muito conveniente que as mulheres não tenham dinheiro. Além disso, penso que as mulheres também não são levadas a sério como investidoras pelo setor”, diz.

Foto: Female Invest

Como é que se reverte esta situação?

A resposta é clara para a co-fundadora da Female Invest: Educação. “As mulheres precisam de se educar sobre este tema e obter as ferramentas para começar a gerir o seu dinheiro. Enquanto sociedade, ainda há muita educação a fazer, tanto por parte das pessoas no poder, que têm de perceber que este é um tema importante, como por parte da população em geral, para que possamos mudar alguns dos padrões que vemos atualmente. Assim, a próxima geração de mulheres não crescerá como a nossa geração de mulheres”.

Até porque depois de se quebrar a barreira entre o receio de começar e os primeiros passos no mundo dos investimentos, o processo começa mesmo, segundo defende Anna, a ser divertido.

“A parte bonita e divertida de investir é que, em vez de trocarmos o nosso tempo por dinheiro, podemos ganhar dinheiro enquanto fazemos as coisas de que gostamos. Podes criar a vida que sempre quiseste criar. E a questão do dinheiro é que, independentemente do que sonhamos, precisamos de dinheiro para o conseguir. Mesmo que sonhemos em não trabalhar muito, isso também requer dinheiro. Por isso, quando digo que investir pode ser muito divertido, a parte divertida seria conseguir ficar mais próxima da sua vida de sonho sem trocar o seu tempo por dinheiro”, afirma.

Como começar a investir em 2025?

“Façam-no, mesmo que sintam que não sabem tudo, porque a melhor forma de aprender é através da ação. A primeira coisa a fazer é descobrir quanto dinheiro tem para investir todos os meses, para não investir todo o dinheiro de uma só vez. Depois, estabeleça um calendário para esse efeito. Quando começar a investir, deve investir numa carteira diversificada. E a última coisa é fazê-lo a longo prazo, não retirar o dinheiro. Basicamente, criar um orçamento para o investimento mensal e cumpri-lo, que seja diversificado e a longo prazo. E isso é fácil. Qualquer pessoa o pode fazer”, aconselha Anna.

Mas faltava ainda decidir o local onde fazer tudo isto. O que é uma dúvida comum. As pessoas começam a entender o que devem fazer, mas não conseguem identificar a que plataforma recorrer.

“O que costumamos dizer é que, quando se escolhe uma plataforma, é preciso ter em atenção duas coisas: a facilidade de utilização e as taxas. Normalmente, se pesquisar no Google por uma plataforma com taxas baixas e facilidade de utilização no seu país, obterá as duas ou três melhores. Mas também diria que não deve deixar que a escolha de uma plataforma a impeça de começar. Na pior das hipóteses, paga-se um pouco mais caro do que noutro lugar. Mas o custo de não começar é muito mais elevado do que o custo de não escolher a melhor plataforma”, conclui.

De mulher para mulher

Conscientes de que a criação de exemplos a seguir é importante e com vontade de mudar a narrativa em volta da imagem de um investidor, a Female Invest faz regularmente parcerias com profissionais da indústria. Carmen Montero Mundt é uma dessas profissionais. “A Carmen é absolutamente perfeita para isto. Ela tem uma carreira fantástica, mas também é a namorada de um atleta famoso. Normalmente não se espera que as namoradas dos atletas saibam muito sobre investimentos, mas a Carmen é, de facto, uma consultora financeira certificada. Trabalhou profissionalmente no setor financeiro, investindo grandes quantias para grandes clientes. É uma especialista no assunto”, conta Anna.

Natural de Espanha, Carmen começou a ouvir falar sobre o tema muito cedo, ainda que não tenha sido nas melhores circunstâncias. Considera que nunca foi boa aluna – apesar de hoje estudar bastante –, mas em 2008, durante a crise, o pai declarou a insolvência da sua empresa e, de forma a pagar todas as suas dividas, a família acabou por perder tudo. A situação fez com que, durante anos, o tema fosse uma constante na vida de Carmen. “Ao pequeno-almoço, almoço e jantar, era a mesma conversa todos os dias em minha casa, durante anos. Falava-se de casos jurídicos, de como íamos resolver isto, ou aquilo. O que era incrível, agora que olho para trás, o facto de o meu pai ser tão aberto e falar sobre isso”, conta Carmen à Forbes, quando recorda o momento em que se começou a interessar pela área.

Foto: E-book/Carmen Montero Mundt

O que se seguiu foi uma mudança para Londres, onde aprofundou ainda mais o tema, e a decisão de mudar o curso para Gestão de Empresas e Finanças. “Foi um curso muito bom, um pouco difícil porque estava a pagar os meus próprios estudos e estava a trabalhar num café e numa loja ao mesmo tempo. Trabalhava a tempo inteiro. Mas depois comecei a trabalhar em finanças”, conta. Entretanto a sua situação acabou por mudar, depois de começar a namorar com um piloto de Fórmula 1.

O resultado? Acabou por sair da empresa onde estava a trabalhar, um fundo inglês bastante relevante no mercado, para se aventurar a solo. “Estava muito, muito feliz lá. Estava a aprender tanto, eles geriam cerca de 32 mil milhões, são incríveis. Mas o problema era a minha vida na altura, o nosso estilo de vida é tão louco. Cheguei a um ponto em que me sentei à mesa e pensei: Há muito mais que posso fazer. Obviamente, estou a aprender muito e estou a fazer um trabalho muito exigente, com muitas horas de trabalho, mas a realidade é que também posso aplicar isso ao trabalho independente. E, de facto, dar muito mais às pessoas”, pensou.

E assim foi. Hoje, e depois de algum tempo a trabalhar nas redes sociais, maioritariamente com a área da moda, tem o objetivo de colocar o dinheiro que foi amealhando em empresas financiadas e geridas por mulheres. “É quase como um investimento de impacto no futuro das mulheres”, diz.

O que podemos esperar deste e-book?

“Para mostrar às pessoas que qualquer um o pode fazer”, afirma Carmen. Quando Anna lhe propôs este projeto teve algumas dúvidas, mas acabou por aceitar fazê-lo. Em parceria com a Female Invest, lançou um e-book escrito por si que é vendido juntamente com uma subscrição anual para a plataforma. O objetivo continua a ser o mesmo: Educação. A partir da sua experiência, que vai desde o que aconteceu à empresa do pai e passa por tudo aquilo que foi encontrando pelo caminho, envolvendo contratos de trabalho, empréstimos para estudantes, gestão de despesas, a sua carreira, entre outras coisas, quer passar estas noções a outras mulheres. “As raparigas devem compreender desde muito cedo a importância de ter estes termos básicos bem claros. Basicamente, trata-se de tentar educar as pessoas a tirar um momento para dizer: vou começar o meu ano, é isto que quero alcançar, este é o dinheiro que quero pôr de lado, isto é o que quero fazer. O meu livro foi para dar às pessoas a mentalidade e a motivação que vem de mim, não da namorada do George que está nesta posição, mas de mim própria como alguém que passou por desafios, que estudou, que pagou pela sua própria carreira.”, diz.

De acordo com o índice, estes são alguns dos temas que marcam a aprendizagem a partir deste livro: o que deve levar as mulheres a investir, as noções básicas sobre investimento, tipos de investimentos, gestão de risco, o passo a passo, investimento com impacto, entre outros.

Foto: E-book/Carmen Montero Mundt

Porque é que este é o momento certo?

“A realidade é que estamos a ter este problema agora, que é ótimo, porque as mulheres agora têm dinheiro. A razão pela qual as mulheres não tinham este problema antes é porque nunca tivemos dinheiro na história, nunca tivemos salários como temos agora, nunca tivemos a nossa própria riqueza. E o problema agora é que temos o dinheiro e pensamos ‘o que é que fazemos com ele?’. Sento-me à mesa com mulheres e todas dizem o mesmo: agora tenho as minhas poupanças, mas o que é que faço com as minhas poupanças? Devo comprar uma casa? Ponho-as no banco? Devo fazer um depósito? Qual é a coisa certa a fazer? Basicamente, trata-se de lhes dar as opções para que possam compreender quais são as opções em cima da mesa. E depois podem pensar: tenho bastante dinheiro, posso colocá-lo num fundo, posso colocá-lo em ações, ou não gosto de correr riscos, como eu, e prefiro colocá-lo em obrigações do Estado ou num depósito. Mas, pelo menos, ver quais são as opções. E tentar começar essa viagem. É essa a ideia de tudo isto”.

Educação e confiança

Mudar a perspetiva de uma sociedade onde o machismo e os valores ditos tradicionais ainda são uma realidade muito marcada, não é tarefa fácil. Para Carmen, será uma questão de tempo. E passa por dois pontos. O primeiro, neste momento, já está claro para todos. A educação é essencial. O segundo é a confiança.

Com mais de meio milhão de seguidores no Instagram, Carmen consegue ter um alcance maior do que muitas mulheres têm através das suas plataformas. Agora, quer dar esse alcance a negócios fundados por mulheres. “Estou a dar-lhes voz para terem a confiança necessária para dizer: a minha empresa vale a pena, a minha empresa vai ter sucesso. E se estivermos num momento em que pensamos que estamos prontos para dar o próximo passo, para obter financiamento extra ou para chegar ao ponto assustador em que temos mesmo de ir falar com homens, porque é isso que normalmente acontece, fazemos crescer uma empresa e depois temos de ir a um banco e explicar a um homem porque é que ele tem de nos dar financiamento. A realidade é que isso é diferente se eu estiver no meio. Não por ser eu, mas por causa da minha posição neste momento. E penso que esta é uma ferramenta muito poderosa para dar essa confiança às mulheres”, conta.

E a confiança que tenta dar a outras mulheres, é a mesma que tem quando olha para o futuro. “Vai chegar a um ponto em que as mulheres estão tão envolvidas nos negócios que já não vamos precisar dessa confiança, vamos simplesmente sentar-nos à mesa, tal como os homens, e vamos dizer: é isto que queremos, é isto que merecemos, é para isto que trabalhamos, e da mesma forma que tu queres isto, eu quero isto. E tudo deve ser igual. Neste momento, acho que é apenas uma questão de fazer muito trabalho publicamente, de fazer muito barulho. Acho que é a única forma de dar voz às mulheres”, conclui.

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