Justine Dupont: “O troféu das mulheres foi bom, mas o melhor reconhecimento foi ter ficado em segundo lugar”

No final do primeiro heat no Nazaré Big Wave Challenge de 2025, alguém disse a Justin Dupont: Estás em segundo, ainda podes vencer. E não, não falamos da disputa pelo título feminino do evento, falamos de um segundo lugar entre 18 surfistas - homens e mulheres. E foi nesse lugar que a surfista francesa terminou…
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No último Nazaré Big Wave Challenge, Justine Dupont foi a segunda melhor surfista no quadro geral e a primeira olhando apenas para a performance feminina. A surfista francesa falou com a Forbes sobre a competição, o seu percurso na modalidade e o que mudou desde que foi mãe.
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No final do primeiro heat no Nazaré Big Wave Challenge de 2025, alguém disse a Justin Dupont: Estás em segundo, ainda podes vencer. E não, não falamos da disputa pelo título feminino do evento, falamos de um segundo lugar entre 18 surfistas – homens e mulheres. E foi nesse lugar que a surfista francesa terminou a competição da temporada de inverno que agora termina.

“Isso era o principal que eu procurava. Depois tive o troféu das mulheres, foi bom, mas não foi o melhor reconhecimento que tive. O melhor reconhecimento foi ter ficado em segundo lugar”, conta Justine à Forbes.

Que mensagem este resultado passa?
Que deveríamos ter apenas uma categoria. Não gosto de pensar no género da pessoa, prefiro falar do nível do surfista. Estou muito feliz com a posição em que terminei o campeonato, mas para ser sincera não sou a segunda melhor surfista da Nazaré. Durante esse dia, como as condições estavam complicadas, o Eric estava a conduzir muito bem e treinámos muito este inverno, consegui ficar no segundo lugar, mas o Lucas Chumbo, o Kai Lenny e muitos outros surfistas são melhores do que eu. Durante a competição, especialmente no tow-in, acho que não percebemos a diferença entre homens e mulheres. Gosto do facto de podermos competir uns com os outros como surfistas e não nos cingirmos à nossa categoria, como mulheres e homens. Eu fiquei muito feliz com este resultado, não pelo resultado feminino, que é bom, mas o mais importante para mim foi conseguir terminar em segundo lugar e, depois do primeiro heat, pensar: Posso tentar melhorar a minha pontuação e até procurar uma vitória. Fiquei muito feliz por ter esta oportunidade de pensar na vitória como surfista. Nunca tinha pensado nisso porque há tantos que são muito melhores do que eu, mas depois é uma competição e, durante a competição, às vezes não é o melhor que ganha, pode ser quem gere melhor a situação, a parte tática, coisas desse género.

Como é que foi a competição este ano?
Foi um inverno difícil para a realização da competição e para a Nazaré, muito difícil de prever. Não foi o melhor dia para fazer uma competição, de certeza, mas tem sido complicado. Eu não ia gostar de ser a responsável por fazer a chamada, é muita pressão porque as previsões estão sempre a mudar. Naquele dia as condições não eram boas e estava difícil de surfar, o espetáculo não foi tão bom como se esperava ou como poderia ter sido. Gostava que tivéssemos melhores condições para conseguir um melhor espetáculo, para mostrar melhor o nosso surf e o nosso desporto, mas acho que foi melhor que tenham avançado do que não terem feito competição este inverno. É uma decisão complicada, podiam ter esperado pelo dia seguinte, com menos vento, mas é complicado. As condições não eram ótimas, mas pelo menos fizeram a competição.

Tu levaste toda a tua equipa para o pódio, o quão importante é o trabalho de equipa na Nazaré?
Eu ganhei, estava sozinha na prancha, na minha onda, mas isso deve-se a todo o processo, a toda a equipa. Surfar em ondas grandes sozinho não é possível, não consegues fazer nada. Em primeiro lugar, quando estás a fazer tow-in, precisas de alguém para conduzir o jet-ski, alguém em quem se confie para largar a corda e poder surfar a onda livremente, confiante de que ele virá buscar-nos e de que escolherá uma boa onda. Essa é a primeira pessoa da equipa. Depois há o responsável pela segurança, que nos vai buscar se alguma coisa correr mal. No meu caso é o Fred David, o meu namorado. Precisamos de alguém que nos conheça, alguém em quem possamos confiar, que venha buscar-nos e que se coloque numa situação complicada para nos salvar. E depois temos um spotter, alguém na falésia que nos procura e dá informações à equipa. Pelo menos, é esta pequena equipa. Sempre que vês um surfista numa onda grande, há pelo menos três pessoas atrás. E muito mais, porque depois tens todas as pessoas que te ajudam a treinar.

No ano passado não estiveste na competição porque foste mãe. Sentes que ser mãe impactou o teu surf de alguma forma?
Sim, o facto de ter sido mãe teve um impacto positivo no meu surf, muito mais positivo e benéfico do que eu pensava, para ser sincera. Tinha algumas dúvidas, não medo, mas dúvidas quanto a poder voltar tão ou mais forte como antes, ou ser capaz de entrar em ondas grandes como antes. Muitas pessoas disseram-me que, depois de terem um filho, tinham mais medo de muitas coisas e eu pensei: Se calhar vai ser assim, vamos ver. Mas é fantástico, estou muito mais eficiente. Estive afastada do surf de ondas grandes durante um ano, por isso tenho mais vontade e conheço-me melhor.

Para ser sincera, fiquei o inverno inteiro sem conseguir dormir como queria. Ele não dormia muito durante a noite, foi um pouco difícil. Agora já está bem, está a dormir durante a noite, mas a duas semanas da competição ainda não dormia. Mesmo na noite anterior à competição, ele decidiu não dormir, não sei porquê. Mas mesmo com a falta de sono, é de loucos porque, de facto, conseguimos fazê-lo. Fiz muitas sessões com apenas três, quatro ou cinco horas de sono, quando dormia cinco horas ficava muito contente. Mas não é assim tanto, porque estás sempre no mar, tens apenas cinco horas de descanso e continuas no dia seguinte. Eu pensava que não era suficiente, mas na verdade, fazes com que as coisas aconteçam. No final do inverno, pensei: Consegui! É fantástico porque aprendemos muito sobre nós próprias e aprendemos a ser muito mais eficientes e a fazer melhor as coisas. Eu costumava treinar muito, mas este ano quis treinar de forma mais inteligente. Por isso, sim, acho que é um compromisso em tudo, ser mais eficiente e tentar dar o meu melhor para trabalhar em todas as dimensões. Foi incrível como tudo o que tinha à minha volta era bom e estava a funcionar bem.

O surf de ondas grandes é um pouco violento. Os momentos com o bebé são tão suaves, calorosos, com muita alegria, felicidade, amor. E depois temos o tempo na água que pode ser um pouco mais frio, um pouco mais violento. Consegui ter um equilíbrio muito bom e este equilíbrio foi muito importante para mim. Já nos mudámos para a floresta, vivemos numa pequena aldeia, o que já era bom para mim, porque tinha o meu tempo no mar e o meu tempo em casa com o meu namorado e a relaxar. Mas agora, com o bebé, é ainda mais poderoso. E sim, com um bebé, sentimo-nos mais poderosas.

Como é que começou para ti este interesse pelo surf e depois pelo surf de ondas grandes?
Comecei a surfar no sudoeste de França por volta dos 10 ou 11 anos. Comecei a competir por volta dos 15 anos, mas não queria muito porque tinha medo de ondas grandes nessa altura. Depois comecei a ter alguns bons resultados e foram os meus primeiros resultados internacionais que me empurraram para o surf profissional. Fiz toda a minha carreira em competições de shortboard, longboard e stand-up também. Diferentes disciplinas de surf, mas a minha principal atividade era o shortboard. Participei em competições de shortboard durante uns 15 anos e num ano qualifiquei-me para a elite, só que acabei por me lesionar uma semana antes da época. Tive de passar novamente pela série de qualificação e nessa altura foi quando comecei a surfar ondas grandes, porque me sentia injustiçada devido às lesões. Tinha menos vontade de competir e mais vontade de explorar o surf de ondas grandes, de explorar aquelas ondas poderosas que estava a surfar. Mas era apenas uma vez por ano, durante o inverno em casa, sem me esforçar muito. Depois perdi o meu principal patrocinador de surf e isso ajudou-me muito a concentrar-me mais no surf de ondas grandes. Até que eu e o Fred nos mudámos para a Nazaré e começamos a fazer surf de ondas grandes. Foi muita dedicação, muito treino, muito mesmo. Nessa altura não havia muita gente a viver do free surf ou do surf de ondas grandes, sobretudo na Europa e sobretudo mulheres. Fizemos uma escolha e estou muito orgulhosa e feliz por ter feito essa escolha.

Consegues escolher uma onda que tenha sido a onda da tua vida até agora?
Como surfista é Jaws, no Havai. Apanhei um tubo, que é a melhor manobra possível numa onda grande, com o Michel Larronde, na meca do surf de ondas grandes. Essa onda foi, para mim, a melhor da minha carreira como surfista. Mas uma que é ainda mais significativa, foi uma que consegui com o Fred, no primeiro challenge de tow-in na Nazaré. Aquela onda foi um presente muito bom, disse-nos que estávamos a fazer a coisa certa. E sim, parecia que estávamos a fazer a coisa certa na altura certa. A onda na Nazaré é especial para mim, e a onda em Jaws, como surfista, é a melhor onda da minha vida. É difícil escolher.

No ano passado falámos sobre a necessidade de se fazer mais na modalidade, mesmo em outros formatos que não a competição. Continua a ser importante?
É difícil porque o surf de ondas grandes não precisa de eventos, é um desporto em que se procura a melhor tempestade e estar no momento certo, no local certo, procuramos a maior onda e o melhor vento. Estamos sempre a olhar para o telemóvel, para a previsão do tempo: ok, daqui a uma semana vai estar bom em Mavericks, preciso de ir embora. Ah, mas talvez vá estar maior em Jaws, devo ir para lá? É sempre assim que as decisões são tomadas. Para mim, isto é surfar ondas grandes, é ir atrás da melhor e maior onda. E um evento é muito difícil de prever, ficamos menos livres e nós precisamos desta liberdade de movimentos para estar no momento certo das ondas. É um pouco complicado, mas precisamos de mais para o desporto. Penso que é um desporto que pode ser muito divertido de ver, especialmente o tow surfing, porque se apanha muito mais ondas. Até agora, não temos assim tantos eventos, foi por isso que achei que era bom fazer a competição na Nazaré, porque é melhor ter um evento durante o ano do que não ter, os próprios parceiros e patrocinadores compreendem um pouco melhor quando há eventos. Mas, de resto, para ser sincera, não preciso de eventos para ir atrás de ondas grandes. Esta época, seguimos as tempestades, se há um evento ou não, vamos lá e surfamos. Se eles vão fazer a competição ou não, eu vou para a água e vou surfar. Isso é o mais importante.

Foto: Hugo Silva / Red Bull Content Pool

O inverno já terminou em Portugal, quais são os teus planos até ao início da próxima temporada?
Boa pergunta, ainda não sei. Estou a ver com o meu namorado qual é o plano, porque temos de pensar um pouco diferente com o bebé. Apesar de neste inverno termos feito exatamente o mesmo que fazíamos antes. Fazer uma mala para o frio e para o calor, a mala para o bebé, e em duas horas sair de casa. Tenho muitos sítios que ainda não explorei, estou à procura de opções diferentes, vamos ver. Já tive tantos anos em que tinha um plano no início do inverno, que acabou por não ser um plano, porque seguimos a tempestade e não somos nós que decidimos, é a tempestade. Por isso, vamos ver onde é que ela vai estar ativa, e eu vou segui-la. Vou treinar porque preciso de treinar mais, com a falta de sono foi difícil treinar, e senti que o inverno foi longo, precisava de treinar mais. Preciso de treinar mais para este inverno, de ficar um pouco na Nazaré também.

Num episódio de um podcast, tu falavas sobre a dificuldade que sentiste inicialmente em conseguires estar focada e conectada contigo própria. Como é que foi o processo de trabalhar essas ferramentas?
Tive dificuldades no surf normal porque tinha de ganhar aos outros, e não gostei muito disso. Tinha de surfar bem, mas o objetivo principal era ganhar aos outros, porque era uma competição, por isso tinha dificuldade em concentrar-me. Depois, ao passar para o surf de ondas grandes, foi muito mais fácil para mim, porque a concentração está lá, se não estivermos concentrados caímos e ficamos numa má posição, ou colocamos a nossa equipa numa má situação. Por isso, para mim, foi mais fácil, e isso fez-me perceber que podia realmente concentrar-me, que era algo que eu conseguia fazer. Depois continuei a treinar a parte mental, tentei aprender como funciona a parte mental, como funciona o cérebro, e foi muito, muito interessante. Tenho uma pessoa muito boa do meu lado, uma psicóloga e sports coach, é fantástica e conhece-me há muito tempo, desde antes de eu querer surfar ondas grandes. Ligo-lhe sempre que preciso de tomar uma decisão e ela ajuda-me muito. É um processo, por isso eu diria que para melhorar o cérebro, a concentração, o mental, é preciso dedicar tempo, como tudo, também é preciso dedicar tempo para construir o músculo, é o mesmo para o cérebro. É uma mistura de pequenas coisas fundamentais, pequenos conselhos, e estar bem na vida, estar bem com os objetivos, ter pessoas à nossa volta que nos conheçam e nos possam ajudar também. É um processo longo e muito interessante, é uma coisa apaixonante para mim, porque vamos aprendendo sobre nós próprios ao longo da nossa vida e agora que tenho um filho tenho a certeza de que estou a aprender muito, e isso deu-me muitas lições.

Foto: Hugo Silva / Red Bull Content Pool

Tu és uma das surfistas de ondas grandes mais aclamadas, uma simples pesquisa e conseguimos ler coisas muito boas sobre ti. Consegues medir aquilo que representas para a comunidade do surf de ondas grandes?
Sim e estou feliz e orgulhosa. O Fred ajudou-me muito nisso, acho que é um trabalho de equipa que temos vindo a fazer, e está a funcionar bem. Não o faço por isso, mas é claro que é bom ter as pessoas a falar bem de mim. Mas a melhor parte é conseguir atingir os meus objetivos profissionais e ser feliz na minha vida pessoal, isso é o principal. Seja qual for o reconhecimento que eu tenha, o mais importante é ser feliz, manter-me simples com a minha família. Compreendo perfeitamente que tenho um impacto no surf de ondas grandes, mas só quero manter o meu pequeno caminho. Se as pessoas se quiserem inspirar em mim, fico feliz por poder ajudá-las, eu própria continuo a inspirar-me no Lucas Chumbo, e noutros surfistas como o Kai Lenny, o Clement Roseyro, o Nathan Florence, por isso percebo que também posso inspirar outras pessoas, mas sim, é só uma questão de nos concentrarmos no nosso caminho.

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