Numa altura em que se opta por dividir os momentos da vida de cada um em “eras”, podemos afirmar que Mariana Ribeiro já passou por várias dessas eras. Pelo menos no que ao digital diz respeito. Começou na era Youtube, há cerca de oito anos, no mesmo momento em que foi de Erasmus. O seu primeiro conteúdo no digital passava por isso mesmo: viagens, estudos e o dia-a-dia de uma portuguesa em Budapeste. Seguiu-se o marketing, na sua era Barcelona, enquanto tirava o mestrado na área. Passou pela moda, beleza, saltou para o Instagram e TikTok, até que chegou à era mais recente: Melhor Amiga.
É desta forma que vê o conteúdo que publica no digital atualmente: “É como ouvires uma melhor amiga a contar os seus dilemas de ter 27 anos na sociedade de hoje em dia, que está a tentar construir a sua melhor versão, seja através de alimentação, de treino, de journaling, de leitura. Vai ser alguém que tu vais seguir e te vais inspirar se estás neste caminho também de descobrir qual é a tua melhor versão e qual é o teu propósito neste mundo”, diz Mariana à Forbes.
E fala sobre tudo sem filtros ou tabus. Porque como diz o nome do seu podcast: Amiga, faz parte!
Como é que começou a tua carreira no digital?
Começou há oito anos, quando fui estudar para Budapeste, e foi através do Youtube. Comecei a gravar vlogs, a partilhar a minha experiência no estrangeiro e, no fundo, eu não sabia que tinha uma paixão por comunicação, mas na altura estava a estudar economia na Faculdade de Economia do Porto e era um curso demasiado teórico. Eu sempre fui muito criativa, gostava de explorar esse meu lado e sentia que no meu curso não tinha tanta oportunidade para isso. Então, foi, no fundo, criar um hobby à parte que me permitisse explorar esse lado. Depois voltei a estudar fora, em Barcelona, morei lá um ano e meio a tirar o mestrado, e aí também foi um boom ainda maior no digital, mas sempre foi numa ótica de estou a partilhar as experiências como se estivesse a partilhar com as minhas melhores amigas. E é um bocadinho sempre nesta ótica leve, mas ao mesmo tempo de inspirar as pessoas também a fazerem coisas diferentes, a saírem da zona de conforto, a arriscarem, porque eu acho que não havia muito conteúdo na altura de pessoas que estudassem no estrangeiro. Era ali uma realidade diferente e as pessoas podiam viajar e viver esta realidade comigo. Depois regressei a Portugal e fui descobrindo o meu caminho. Hoje tenho também um podcast e estou focada 100% no digital e em todos os projetos que criei a partir daqui. Mas, no fundo, o meu percurso levou-me a estar aqui hoje a tentar justificar um bocadinho todas as questões que estar na casa dos 20 anos trazem: de estarmos perdidos, de não sabermos se é o caminho certo, seja a saúde mental, trabalharmos em nós, sermos a nossa prioridade e também sair da zona de conforto, seja com viagens que eu faça sozinha para o estrangeiro, seja ir só jantar sozinha porque sim. E acho que o meu papel passa um bocadinho por aqui, por inspirar a pensarmos de forma diferente, a questionarmos e a querermos mais, a querermos alcançar a nossa melhor versão, mas também a não acharmos que estamos sozinhos no processo.
Esta evolução no teu conteúdo também aconteceu ao nível das próprias plataformas?
Acho que me fui sempre adaptando. Quando surgiu o TikTok, também fui para o TikTok, também tenho uma presença por lá. Estou nas três plataformas, neste momento [Youtube, Instagram e TikTok]. Fui evoluindo com base nas plataformas porque o Youtube perdeu muita força também em Portugal e isto também é o meu trabalho e tenho de fazer uma gestão estratégica do meu tempo e das minhas prioridades. Acabei por depois me focar mais noutras plataformas, como o Instagram e o TikTok, porque as próprias marcas e o próprio público foi migrando para lá. Acho que é fazer esta gestão de onde é que as pessoas estão mais a consumir e adaptar o conteúdo a isso, que é um desafio.
Consideras que essa adaptação é, de certa forma, obrigatória para os criadores?
Eu acho que sim. Há muita gente que se calhar há uns tempos estava com uma carreira em alta e a conseguir ter imensa atenção e alcance, mas depois as pessoas migram para outras plataformas e se nós não nos adaptarmos não vamos conseguir manter. A não ser que se tenha uma comunidade mesmo muito forte, mas mesmo assim, é difícil de manter essa posição nesta profissão. Onde está o público é onde as marcas vão investir dinheiro, como é óbvio. Portanto, nós também temos de fazer essa adaptação para conseguirmos fazer aquilo que gostamos e para ser um trabalho sustentável.
Quiseste sempre que o teu conteúdo conseguisse acompanhar a tua evolução pessoal ou foi algo que simplesmente aconteceu?
É sempre muito orgânico e muito natural. Eu comecei a falar muito de moda e beleza no Instagram, que é zero eu, mas na altura era uma criança, tinha 20 anos, estava a explorar as redes sociais e não sabia o que queria. Depois mudei para marketing e no Instagram partilhava imenso conteúdo à volta do marketing. Mas foi evoluindo quando eu comecei também a perceber que é muito importante eu identificar-me a 100% com aquilo que estou a partilhar, porque é o meu dia-a-dia, a minha vida, aquilo que eu partilho vai estar sempre comigo, todos os dias da minha vida, porque o meu trabalho não para. Portanto, eu tenho de estar mesmo 100% alinhada comigo para gostar daquilo que faço e para conseguir ter um trabalho a longo prazo. Acho que foi quando comecei a perceber isto que comecei também a ajustar o meu conteúdo àquilo que realmente sou. Nas redes sociais, por muito que tenhamos um nicho, é muito importante termos a nossa marca pessoal muito forte, trazermos sempre um bocadinho de nós para o conteúdo é essencial para que as pessoas se conectem. Porque pessoas a falar de marketing há muitas, mas se calhar uma pessoa específica a falar de marketing e a trazer a sua personalidade acaba por conectar e criar uma comunidade, e eu acho que o ponto principal é este, é criar comunidade. Portanto, sim, acompanhou todas as minhas fases, mas ao mesmo tempo eu fui testando várias coisas até descobrir 100% aquilo que quero fazer. Que é normal nós também mudarmos e queremos experimentar várias coisas, batemos com a cabeça na parede até percebermos aquilo que queremos.
Ao falares desses temas que se enfrentam ao logo da década dos 20s, sentes que isso te trouxe uma maior responsabilidade como criadora de conteúdo?
Acho que sim, apesar de não ter assim tanta noção do impacto até virem ter comigo e partilharem comigo esse feedback. Tenho pessoas que me dizem ‘Mariana, despedi-me do meu trabalho porque ouvi um vídeo teu a falar sobre isto’. Isto tem um impacto enorme, mas eu acredito que sou muito fiel aos meus valores e só ponho cá para fora aquilo que acredito mesmo. Acho que só há bom que pode sair daqui. Pessoas normais também podem fazer estas coisas que parecem irreais nas redes sociais. E acho que é um bocadinho isso que eu também estava a dizer, de tentar trazer uma proximidade de ‘estou a falar com uma melhor amiga’. Não é aquela influencer que está mais acima do que nós e que é impensável fazer uma coisa parecida, acho que é baixar um bocadinho para o mesmo nível das pessoas que me traz esta proximidade.
De todos os temas que tu falas, principalmente no teu podcast, quais foram os mais importantes para ti?
O episódio que para mim teve mais impacto, para mim e para a minha comunidade, foi o do distúrbio alimentar. Foi um tema que eu nunca abordei antes nas redes sociais e estava com muito medo de o fazer, porque ainda é um tema que não está resolvido na minha vida. Eu chorei a ler aquelas mensagens todas. E foi engraçado que não tive muito feedback publicamente, que normalmente as pessoas comentam imenso e fazem partilhas publicamente, mas como é um tema tão sensível para muita gente, todo o feedback foi passado por mensagens [privadas]. No dia a seguir tinha umas 200 mensagens de pessoas a partilhar comigo: Nunca tive coragem de falar nem sequer com a minha mãe sobre este assunto, mas vou contar-te a minha história. Para mim isto foi muito forte e sinto que teve aquele impacto que eu queria. Eu própria, ao longo destes anos, passando por este problema, sentia-me muito sozinha e sentia que eu era anormal, e acho que partilhar esta minha história desta forma acabou por trazer um bocadinho conforto, quase como se as pessoas se sentissem abraçadas, porque não estão nisto sozinhas. Eu não sou anormal, toda a gente passa por isto.
Como é que descreves a tua comunidade?
O meu público é quase 100% feminino. Sempre foi assim e acho que há muitas coisas que eu comunico que são direcionadas a mulheres, que nós acabamos por sentir mais na pele. E eu gosto que assim seja porque acho que para ser mesmo um safe space, serem mulheres ajuda a criar este ambiente. Relativamente à idade, tenho às vezes mulheres de 40 e poucos anos a mandar mensagens e que também se sentem inspiradas por alguma coisa que eu disse. Eu acho que como eu tenho esta idade, acabo por assumir que nesta idade é que se passa por isto, mas acho que ao longo da vida nós vamos tendo várias crises, vários momentos em que estamos a duvidar do que estamos a fazer. Se calhar quando eu chegar aos meus 35, eu vou continuar a falar destes temas de outra forma e atingir, se calhar, os 20 e depois os 40 também. Portanto, eu acho que para definir a minha audiência, são pessoas que querem mais, que se querem inspirar, que querem ser as melhores versões e normalmente são mulheres.
Como é que descreves o mercado da criação de conteúdo em Portugal?
Ainda estamos mesmo muito no início. Acho que temos vindo a trazer várias tendências de fora, que eu acho que é muito importante, mas ainda estamos mesmo no início. Pelo menos comparado com outros mercados, já há imensa gente que faz este tipo de conteúdo e que aborda as redes sociais de forma mais orgânica e mais aberta lá fora e aqui em Portugal honestamente não vejo assim tanta gente a ter este tipo de abordagem, que acho que faz falta muitas vezes nas redes sociais. É importante termos vários criadores para vários nichos, para atingir diferentes públicos e também diferentes interesses, mas acho que estamos a caminhar para o sítio certo.
Quais são as tendências da área que tu identificas neste momento?
Sem dúvida é cada vez mais o conteúdo orgânico. Já lá vão os tempos em que eram precisas fotografias perfeitinhas para o Instagram, com filtros e tudo e mais alguma coisa. Nota-se, por exemplo, no TikTok, o poder que aquilo tem e o alcance e o crescimento que a plataforma teve é pelo orgânico, é por conseguir trazer realidade aos conteúdos. Acho que vai passar muito por não pôr naquele patamar de influencers estar acima do público geral e trazer um bocadinho ‘estamos todos no mesmo barco, todos a passar pelas mesmas coisas’, trazer realidade e conteúdo orgânico, conteúdo com o telemóvel, gravado de forma rápida, menos editado, menos produzido.
Fala-se também muito do facto de as comunidades no digital estarem a procurar cada vez mais passar para a vida real, o cara-a-cara. Sentes isso?
Acho que foi também um bocadinho no pós-covid. Nós fomos cada vez mais estando no digital e com muito menos contacto físico, agora começamos a sofrer um bocadinho disso e dessa vontade de querer estar de forma presencial. Porque por muito que nós consigamos ter impacto no online e criar comunidade, não tem nada a ver com estarmos todos juntos e a trocar impressões. Eu própria o ano passado estava também focada na minha marca de roupa, que acabei por encerrar, e organizei alguns eventos e percebi realmente o poder que é unir pessoas que estejam a passar pelas mesmas coisas, com o mesmo mindset. Por exemplo, fiz um evento que era à volta do yoga, journaling e refletir um bocadinho e as pessoas que estavam nesse evento depois começaram a trocar números, instagrams, combinaram depois logo outras coisas todas juntas. Notava-se a vontade de criar conexões. Porque eu acho que em idade adulta é mais difícil fazer estas amizades e encontrar estas pessoas que estejam alinhadas connosco. E eu acho que o meu papel passa um bocadinho por aí.
Tu mencionaste a tua marca que fechaste há pouco tempo. Como é que foi o processo de tomar essa decisão?
Foi muito difícil. Eu criei a marca vai fazer agora 5 anos, estava muito perdida, não sabia o que queria fazer, mas sabia que tinha aquele bichinho de fazer alguma coisa com negócios porque os meus pais também sempre foram empreendedores. Então criei a marca com a minha mãe e comecei a perceber ao longo do tempo que é um projeto que por muito que tivesse pernas para andar, precisava primeiro de ter o meu foco a 100%. Conseguir que uma marca de roupa seja rentável em Portugal envolve muito tempo, muito dinheiro, muita energia e ao longo do tempo eu fui percebendo que o que gosto mesmo é este meu outro negócio: a comunicação, o podcast, unir pessoas, trazer esta mensagem. Comecei a afastar-me um bocadinho daquilo que a marca estava a seguir e percebi que para eu conseguir estar 100% em algum deles, tinha de deixar um deles ir. E para mim era no-brainer que teria de ser a marca porque eu não sinto que seja uma pessoa completamente apaixonada por moda. Todo o processo criativo também não era uma coisa que me trouxesse assim tanta alegria quanto isso e acho que nós temos é de seguir aquilo que acreditamos que nos vai mesmo trazer felicidade a longo prazo. Foi difícil, mas quando comecei a assumir comigo que estava a tomar esta decisão por mim, depois foi mais fácil de partilhá-la, porque eu acho que também foi um bocadinho difícil de admitir isto publicamente. Muitas vezes associamos o fim de projetos a ‘correu mal’, a um fracasso, e acho que também foi um desafio para mim virar um bocadinho o jogo e explicar que não, não é um fracasso, é uma coragem eu também estar a terminar um projeto publicamente e assumir isso com quem me segue.
Geralmente os criadores lançam outros negócios fora das redes sociais para terem um plano B e tu fizeste o caminho inverso. E recentemente vimos nos EUA como uma plataforma pode desaparecer de um dia para o outro. Isto não te preocupa?
Não me preocupa nada porque sinto que já passei por tantas plataformas e em todas elas sou capaz de me adaptar e criar uma comunidade. O meu foco não vai passar só pelo digital, neste momento está a ser e o meu rendimento vem 100% de marcas, mas não é de todo o meu objetivo nem a curto prazo. Estou a desenvolver uma ideia para trazer um bocadinho desta comunidade para o presencial, como estávamos a falar, e o meu futuro vai passar por aí. Tenho sonhos muito mais altos do que só me manter enquanto criadora de conteúdos, digamos assim, mas nesta fase está a fazer sentido eu investir em criar uma comunidade muito forte para que quando no futuro vá lançar aquilo que acredito que vá mudar muita coisa eu tenha uma comunidade tão forte que já vai estar preparada para o receber e eu própria para lançar este negócio. Obviamente nunca ficaria dependente só de marcas e de ser criadora de conteúdos, isso nunca, até porque também acredito que tenho este bichinho do empreendedorismo em mim e sem dúvida que quero entrar por outros projetos.
Tu mencionaste a questão dos rendimentos, que plataformas têm sido as mais rentáveis?
Acho que isto varia de criador para criador porque há pessoas que são muito fortes no TikTok e vão dar a resposta de que o TikTok é o mais forte para elas, mas eu acho que enquanto mercado a plataforma mais poderosa é o Instagram em termos de publicidade. É a plataforma que gera mais conversões, no TikTok é muito difícil de gerar conversões para marcas. O Youtube é o mais difícil e apesar de eu adorar a plataforma e a minha própria audiência também adorar este conteúdo mais longo, é um investimento porque não há muitas marcas a apostar nesta plataforma. O podcast também é a minha mais recente plataforma que já tenho patrocinador e que tenho várias marcas também interessadas.
Fala-me um pouco sobre o podcast, quais são os planos para este projeto?
Este projeto é um projeto que eu faço com muito carinho, desde setembro que fiz agora esta nova reformulação, fui para o estúdio, um investimento maior, nunca foi com o intuito de ‘isto vai ser o projeto que me vai fazer milionária’, sempre foi numa de: vou investir em criar esta comunidade e ter este espaço que também acho que preciso para ter mais espaço para falar. Depois veio a proposta do Observador no final deste ano que me deixou muito feliz porque mostra que o caminho que estou a levar com o podcast faz sentido e que querem apostar também nas vozes da nossa geração. O objetivo agora para este ano é sem dúvida focar muito em trazer outras pessoas diferentes, desafiar-me porque cada vez que eu entrevisto pessoas também é um desafio enorme para mim, eu estou muito habituada a falar só para uma câmara sozinha no Youtube. É continuar a fazer o que estou a fazer, ter sempre um vídeo de qualidade, um podcast de qualidade semanalmente, e também trazer outro tipo de conteúdo nas redes sociais relacionado com o podcast para não ser só um episódio semanal, mas também criar uma marca a partir daí. O Amiga, faz parte ser uma marca.