A palavra neuroengenharia é em si autoexplicativa, consistindo essencialmente na interseção entre os campos da neurociência e engenharia. Utiliza a microtecnologia como meio para estudar e intervir no cérebro e no sistema nervoso, tendo como derradeiro objetivo o desenvolvimento de novos tratamentos para transtornos neurológicos, mas não só… A otimização das interfaces cérebro-computador e, porventura, o aumento do potencial cognitivo e sensorial humano são também possíveis resultados que provêm desta área emergente.
Como é possível, então, estudar o cérebro e todo o sistema nervoso? Uma boa analogia que se pode estabelecer é comparar o cérebro a um estádio de futebol. Imaginemos que estamos dentro do estádio enquanto duas equipas estão a competir. Dentro do estádio conseguimos perceber minimamente os cânticos e as suas entoações, conseguimos perceber quem está a perder ou a ganhar, e temos um bom entendimento geral do que está a ocorrer no estádio naquele exato momento, porque estamos lá dentro. Se estivermos fora do estádio enquanto uma disputa se desenrola, já é mais difícil compreender o que está efetivamente a acontecer. O mesmo se passa com o cérebro.
Os elétrodos cerebrais quando implantados são capazes de “ouvir” o cérebro, mas “ouvem” melhor quando estão dentro do estádio de futebol.
Quando se medem sinais cerebrais com elétrodos aderidos ao couro cabeludo, é possível adquirir informação neuronal útil, mas estamos fora do “estádio” e não é possível detetar com grande precisão a dinâmica cerebral e as interações locais. Isto leva a que os neurocientistas necessitem de realizar procedimentos invasivos em animais e ir além do crânio, ou seja, entrar “dentro do estádio” para obter melhor perceção dos acontecimentos. Com dados neuronais mais precisos e medições localizadas, é possível obter resultados mais fidedignos, compreender o funcionamento das várias sub-regiões do cérebro a nível sub-milimétrico, bem como as patologias que as afetam.
Os investimentos de Elon Musk têm funcionado muitas vezes como uma bússola tecnológica que indica para onde a modernização da sociedade se dirige. Apostou não só em carros elétricos e exploração espacial, mas também em interfaces cérebro-computador implantáveis e invasivas. Apesar das polémicas levantadas, derivadas da pressão em alcançar e divulgar resultados inovadores e disruptivos, os progressos têm-se mostrado significativos.
Tendo cofundado a Neuralink em 2016, lançou-se demonstrando um rato com elétrodos implantados no cérebro a mover um cursor através do pensamento, passando para a monitorização e estimulação de nervos de um suíno, fazendo-o encolher e esticar involuntariamente a perna através dessa mesma estimulação. Os mais recentes resultados mostram também um macaco a jogar num ecrã telepaticamente. À primeira vista, isto pode parecer assustador e digno de um filme distópico de ficção científica onde uma tecnologia não correu como previsto. No entanto, uma das finalidades é ajudar pessoas paraplégicas ou tetraplégicas a serem mais autónomas controlando mentalmente uma prótese, por exemplo.
Vale a pena relembrar que estes avanços tecnológicos estão sujeitos a uma exposição mediática que a maior parte da investigação feita nesta área não está, o que não significa que tenha menos valor. Universidades, institutos e empresas por esse mundo fora dedicam-se a desenvolver vários tipos de neurotecnologias. Estes implantes moldarão os implantes de hoje, que já são utilizados nos hospitais em pacientes que sofrem de epilepsia por exemplo. A neuroengenharia está a introduzir-se na nossa sociedade para melhorar a saúde de quem mais precisa e mais avanços promissores surgirão neste setor em crescimento.
Ivânia Trêpo
estudante de doutoramento na ATLAS Neuroengineering.