Nic von Rupp: “Eu dediquei-me muito à Nazaré”

Em 2011, o havaiano Garrett McNamara e uma onde de 23,77 metros  levaram imagens da Nazaré aos quatro cantos do mundo. Depois disso, muitas histórias já se contaram sobre o momento em que as maiores ondas do mundo foram descobertas na costa portuguesa, e muitas dessas histórias foram contadas sem um único representante nacional. Mas…
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Treinou, competiu, venceu e surfou as maiores ondas da sua vida. Nic von Rupp dedica-se diariamente à Nazaré e esta temporada a Nazaré mostrou estar atenta. Agora o surfista espera que os atletas portugueses comecem a receber por cá o mesmo reconhecimento que lhes é dado lá fora.
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Em 2011, o havaiano Garrett McNamara e uma onde de 23,77 metros  levaram imagens da Nazaré aos quatro cantos do mundo. Depois disso, muitas histórias já se contaram sobre o momento em que as maiores ondas do mundo foram descobertas na costa portuguesa, e muitas dessas histórias foram contadas sem um único representante nacional. Mas Nic von Rupp faz questão que todos saibam: “Foram os portugueses que meteram a Nazaré no mapa”.

Começou a surfar por gosto e foi a paixão à modalidade que o fez continuar. “Eu sempre fui guiado pela paixão e não pela vontade de querer ser profissional”, conta à Forbes. Mas quando chegou o momento de tomar a decisão em relação ao seu futuro profissional, quando estava a terminar o secundário, só tinha uma resposta para dar: Ser surfista.

E não, não falamos de uma altura em que esta possibilidade era tão clara quanto é hoje em dia.

“Não havia grande perspetiva. Felizmente faço parte de uma geração que tinha o Tiago Pires como mentor, a geração do Kikas [Frederico Morais], do Vasco [Ribeiro]. Todos nós fomos atrás do sonho. Fomos para a Austrália, para o Havai, competi contra os melhores do mundo e foi a partir daí que começámos a ser patrocinados por marcas. Houve um resultado em 2007, fui vice-campeão europeu de juniores, depois acabei por ficar em quinto no Mundial e foi a partir desse momento que percebi: posso tornar-me profissional nesta área”, conta Nic.

Dentro da modalidade, Nic descobriu um espaço onde a paixão pelo surf se tornava ainda maior. “As ondas grandes sempre foram a minha paixão, o desafio sempre foi a minha paixão, ir atrás de ondas boas”, afirma. O que o travava era o facto de ter um compromisso assumido com os patrocinadores a nível competitivo, que o obrigava a deixar o surf de ondas grandes para os tempos livres. “Tinha muita pressão dos meus patrocinadores na altura. A temporada de competição normal ia até outubro/novembro, a partir daí e até fevereiro eu surfava ondas grandes por paixão”, diz.

Até que a Nazaré entrou em cena e Nic von Rupp percebeu que o rumo da sua carreira só poderia ser um. “Por volta de 2004, tivemos os primeiros surfistas que vieram à Nazaré ver as ondas, que acabaram por não surfar porque achavam que eram demasiado grandes. Eu fiz parte desse grupo, com 14 anos já fazia parte desse grupo com a paixão de correr atrás das ondas grandes. Depois a Nazaré saltou aos olhos do mundo e eu virei-me para os meus patrocinadores, acho que em 2014, e disse que queria começar a focar nas ondas grandes independentemente do apoio financeiro que eles me dessem ou não. Acabou por ser a melhor decisão que eu pude tomar. Tenho pena de não ter tomado essa decisão mais cedo, mas era uma decisão arriscada, que são sempre difíceis de tomar principalmente quando uma pessoa está a viver o sonho, tem patrocínios”, conta.

Mais de uma década depois, subiu ao pódio do TUDOR Nazaré Big Wave Challenge embrulhado na bandeira portuguesa, depois de vencer pela segunda vez o prémio de melhor performance por equipas, desta vez ao lado do francês Clement Roseyro. E deixou a mensagem: “Isto é por Portugal”.

“Infelizmente fala-se muito dos brasileiros, fala-se muito do Garrett, e todos eles têm um mérito brutal, mas a verdade é que foram os portugueses que meteram a Nazaré no mapa. Desde o início tivemos o Tiago Pires, o José Gregório, os próprios bodyboarders da Nazaré, a estrutura toda para fazer acontecer, para chamar pessoas, chamar o próprio Garrett, foi tudo apoiado pelos portugueses. E nós como portugueses tivemos uma presença muito grande dentro da água, desde o Alex Botelho, o Hugo Vau, o João Macedo. Não quero tirar o mérito a todos os surfistas que passaram por lá no desenvolvimento da Nazaré, mas quero expressar que Portugal também fez parte desse desenvolvimento e muitas vezes isso não é reconhecido pelos próprios portugueses, mas é reconhecido a nível internacional”, defende.

Profissionalização da modalidade

“Eu dediquei-me muito à Nazaré”, confessa Nic. “Nem sempre somos recompensados da forma que gostaríamos e que nos dedicamos. Realmente, vencer o campeonato e ter uma temporada como tive este ano é fantástico”.

O título no Nazaré Big Wave Challenge foi a cereja no topo do bolo de uma temporada de inverno em que Nic e a sua equipa garantiram que, se algo não corresse bem, não seria por falta de esforço e empenho da sua parte. Poucas semanas antes da competição deram provas disso mesmo, quando foram surpreendidos por uma das “maiores ondulações de sempre”. “Durante três dias, surfei das maiores ondas da minha vida, talvez das maiores ondas alguma vez surfadas na Nazaré. Depois vencer o campeonato acaba por ser a recompensa de todo o trabalho, não só este ano, mas ao longo dos anos. Eu sou das pessoas mais dedicadas que estão ali na Nazaré, vivo por perto, estou sempre lá desde outubro até março”, diz.

A receita foi perfeita, mas nada aconteceu do dia para a noite. No ano passado vimos a primeira mudança, quando a poucos dias do Nazaré Big Wave Challenge foi anunciado Clement Roseyro como seu colega de equipa, lugar que, segundo os primeiros dados anunciados sobre a competição, começou por pertencer a Pedro Scooby. Os resultados foram imediatos: “No ano passado tínhamos treinado duas semanas em conjunto e ficámos em segundo lugar. Este ano treinámos seis meses em conjunto e acabámos por vencer a prova”. Houve mais treino, mais nomes a juntarem-se à equipa, mais conteúdo publicado, mais resultados e um projeto que nasce com o objetivo de profissionalizar e divulgar ainda mais tudo isto: Mountains of the Sea.

A partir deste ano, além de serem colegas de equipa, Nic von Rupp e Clement Roseyro são também os dois embaixadores da TUDOR nas ondas grandes. O relógio Pelagos, da marca, já faz parte do equipamento dos atletas.

“As ondas grandes são um trabalho de equipa, não basta um surfista. A nossa inspiração foram as equipas de Fórmula 1 e da America’s Cup. Notámos que faz sentido criar aqui uma equipa com um nome, para realmente dar oportunidade para o desporto crescer e ir na direção de grandes desportos. E sentimos que o desporto realmente está a evoluir nessa direção, a Nazaré está na boca do mundo, há muitas marcas grandes envolvidas no desporto. Para nós, este foi o próximo passo em tornar o desporto mais profissional”, explica.

E mais competitivo. Os resultados deste ano foram diferentes daquilo que têm sido nos últimos anos, com Lucas Chumbo a perder o primeiro lugar para Clement Roseyro ou com Justine Dupont a subir ao segundo lugar entre homens e mulheres.

“A Justine é uma surfista incrível que tem vindo nos últimos cinco anos a demonstrar um nível muito forte em comparação com os homens também. Realmente as equipas estão muito bem distribuídas, temos o Lucas Chumbo com o Pedro Scooby, sempre grandes surfistas, o Kai Lenny com o Ian Walsh dos EUA, o Clement e eu da Europa. Está muito bem distribuído em termos de talento e está muito competitivo”, afirma.

“É uma constante superação”

Para um surfista de ondas grandes, o treino vai muito além do trabalho dentro de água ou no ginásio. A preparação mental e emocional é tão ou mais importante que a física nesta modalidade. Ou não estivessem eles a enfrentar ondas do tamanho de um prédio de 10 andares.

Nic lembra-se bem da primeira vez que surfou na Nazaré. Na verdade, já o tinha feito antes, com ondas que chegaram no máximo aos 5 metros, mas o primeiro dia em que o mar estava mesmo grande foi em 2014. “Lembro-me de estar na mota de água e olhar para aquelas ondas, já tinha surfado no Havai, já tinha surfado em todo o mundo, e nunca tinha visto nada assim. Era tão grande, estava com tanto medo que nem queria sair da mota de água. Lá saí, lá me aventurei para o mar e pronto, foi a minha primeira sessão”, lembra.

Porque, na verdade, surfar uma onda gigante não faz com que estes atletas sejam completamente destemidos, prova apenas que eles trabalharam o suficiente para encontrarem as ferramentas necessárias para superar o medo. Que não deixa de existir.

“A constante superação é algo com que lidamos diariamente. Aliás, lidei a minha vida inteira, desde que comecei a fazer surf. É um work in progress”, explica Nic. “Foi sempre assim foi desde os meus 9 anos, dos meus primeiros passos no surf até hoje, é uma constante superação do medo. Até ao final de janeiro quando tivemos aquelas ondulações grandes, o medo está sempre presente, é só uma questão de como nós lidamos com o medo e como é que conseguimos superar para seguir em frente, porque realmente é do outro lado da barreira do medo que encontramos a melhor versão de nós próprios”.

E como se tudo isto não fosse suficiente, há uma outra vertente do trabalho que não pode escapar aos surfistas: a criação de conteúdo. Porque o trabalho com as marcas passa por aí e é essencial nesta profissão. Nic, por sua vez, mantém, também aqui, a ligação entre o trabalho e aquilo que o apaixona. “Faço parte daquela primeira geração das redes sociais, do Youtube. Sou muito apaixonado por fotografia e para mim conteúdo é natural, é algo que eu gosto, que tenho paixão. Hoje em dia não basta seres um bom atleta, tens que ser um bom comunicador e criar conteúdo para seres profissional, porque é isso que as marcas querem”, diz o português.

Nic tem um canal no Youtube com mais de 376 mil subscritores, está no Instagram onde é seguido por mais de 300 mil pessoas, um podcast e tem ainda as redes sociais do projeto Mountains of the Sea que tem publicado bastantes conteúdos desde o seu lançamento.

É por lá que poderemos continuar a seguir a carreira do surfista português. Seja a encontrar uma onda grande que o leve para fora daquele que é o circuito normal (Nazaré, Mavericks e Jaws), um dos seus grandes objetivos, seja envolvido na área do turismo, pela qual também tem bastante interesse, ou a levar o surf a todos – independentemente da classe social.

“Toda a gente deveria ter acesso ao mar e ao surf. O surf é um desporto, é uma forma de viver, mas também é um grande complemento para a saúde mental. Neste momento o surf está segmentado a uma classe média e alta e estamos a deixar para trás pessoas que não têm acesso a uma aula de surf, que não têm acesso a uma prancha. Um dos meus grandes sonhos é dar acesso a toda a gente, o surf deveria ser inclusivo”, conclui.

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