A polémica e violenta série “Squid Game” é a mais popular do momento, tendo alcançado o primeiro lugar na lista dos 10 mais vistos da Netflix em 90 países, com o co-CEO da Netflix, Ted Sarandos, a afirmar que há “uma probabilidade muito boa de que seja o nosso maior programa de todos os tempos”, ultrapassando mesmo os sucessos anteriores de produções num idioma não inglês, caso de “La Casa de Papel”.
A série sul-coreana tem liderado, por exemplo, o top diário da Netflix em Portugal, Estados Unidos, Argentina, Brasil, Chile, Japão, México, Canadá, Qatar ou Uruguai.
O drama, num total de nove episódios, acompanha um grupo de indivíduos que aceitam um estranho convite para competir em jogos infantis. “O prémio que os espera é tentador, mas as consequências são fatais”, adianta no teaser a Netflix.
Assim após receberem um misterioso convite, 456 pessoas de vários contextos sociais, em risco e a precisarem desesperadamente de dinheiro são fechadas num local secreto para disputar jogos pela hipótese de ganhar 45,6 mil milhões de wons”, o que equivale a 33 milhões de euros, adianta o serviço de streaming.
Jogos mortais aplicados ao imaginário infantil
Dani Di Placido, especialista da FORBES em cinema, televisão e cultura pop, salienta que o conceito de “Squid Game” (“O Jogo da Lula”, numa tradução para português) está longe de ser original: “Vimos jogos mortais aplicados ao entretenimento em Battle Royal, The Hunger Games e Westworld. É o tema (e a execução) que ressoa tão fortemente com o público”.
Um dos segredos para o êxito da série está no facto de beber na nostalgia de jogos da infância, caso do popular “Macaquinho do Chinês”. Contudo, as garridas cores dos cenários acabam por contrastar com o terror que se instala.
A tranquilidade das memórias infantis é tornada perversa por esta competição extrema, causando desconforto no espetador.
Metáfora sobre a sociedade atual
Outro está no facto de, apesar da sua “violência horrível ser extremamente exagerada”, “Squid Game” consegue “refletir o sentimento do momento presente, da mesma forma que os decrépitos e enganosos governantes de Game of Thrones refletiam a apatia e a raiva do público em relação ao processo político”, opina Dani Di Placido.
Numa metáfora sobre o poder, o dinheiro, a manipulação, a ambição desmedida e o desespero, esta série tem uma atmosfera densa onde a fuga se torna impossível. Os jogadores estão vigiados por guardas de vermelho, sem rosto, uma solução plástica que acentua a insensibilidade dos executantes desta sociedade distópica que é recriada na série.
Este cinéfilo da FORBES recorda que muitos filmes coreanos que recentemente tiveram êxito comercial nos Estados Unidos compartilham o tema da luta de classes, casos de “Burning”, “Train to Busan” e “Parasite”.
“A alegoria anticapitalista de Squid Game é menos subtil e mais acessível do que esses filmes, enquanto a tensão fervilhante da série e riscos cada vez maiores tornam mais fácil assistir aos episódios de forma frenética”, refere Di Placido.
A vida ou o dinheiro?
O especialista da FORBES salienta que “dívida e morte são comuns na atualidade e ‘Squid Game’ apresenta muitos dos dois, com jogadores desesperados a arriscar as suas vidas pela hipótese de ganhar o jackpot, tudo para a diversão de bilionários. Apesar das suas voltas e reviravoltas selvagens e às vezes absurdas, a série nunca perde de vista a desigualdade económica que motiva quase todos os personagens”.
O protagonista Seung Gi-hun endividou-se e ficou desesperado depois de perder o seu emprego, devido a ter entrado em greve e ter sido espancado pela polícia; segundo ele, os executivos “arruinaram a empresa e responsabilizaram-nos”.
Vício do jogo
Gi-hun, que é apresentado como uma pessoa desagradável, gastando o dinheiro da sua mãe, ganho com muito sacrifício, no vício do jogo, surge desde logo como uma das personalidades mais empáticas num um jogo repleto de sociopatas oportunistas.
“Gi-hun pode ser um exemplo péssimo do capitalismo, mas ele consegue manter a sua humanidade durante as horas mais desesperantes do jogo”, refere Di Placido.
“Squid Game é bem-sucedido devido à sua capacidade de identificação enervante; uma corporação sem rosto que se refere aos seus jogadores mais por número do que pelo nome, exigindo que arrisquem as suas vidas, com a promessa de um cofre de dinheiro a pairar sobre as suas cabeças, realmente ressoa com os telespectadores – especialmente durante a pandemia”, aponta o especialista da FORBES.
A série está escrita há mais de dez anos, tendo sido rejeitada pelos estúdios. Até agora. O êxito está a ser estrondoso.
Escrito em 2009, Squid Game foi, ironicamente, “quase sufocada pelo sistema que critica, tendo sido rejeitada pelos estúdios durante uma década inteira, antes de receber o sinal verde da Netflix”, frisa Di Placido.
Depois do projeto ter sido colocado numa gaveta, Hwang Dong-hyuk, criador da produção coreana, ouviu o “sim” há dois anos da Netflix que considerou que as lutas de classes e o fosso entre ricos e pobres, temas narrados na série espelhavam temas atuais.
Na perspetiva do cinéfilo Dani Di Placido, tal como “Game of Thrones”, o incrível sucesso de Squid Game certamente inspirará um tsunami de imitadores e de novas produções de crítica social.