Tatiana Pinto: “O futebol feminino está a voar”

Foi uma das protagonistas da imagem que correu o mundo no dia em que Portugal se estreou num Mundial de futebol feminino. A poucos minutos da bola começar a rolar frente aos Países Baixos, quando “A Portuguesa” tocou no Forsyth Barr Stadium, as lágrimas de Tatiana Pinto e de outras colegas contavam a história de…
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Tatiana Pinto jogou o histórico Mundial 2023 e logo a seguir mudou-se para a liga mais competitiva da Europa. Cada passo com um grande objetivo em mente: Um futuro melhor para a jogadora portuguesa.
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Foi uma das protagonistas da imagem que correu o mundo no dia em que Portugal se estreou num Mundial de futebol feminino. A poucos minutos da bola começar a rolar frente aos Países Baixos, quando “A Portuguesa” tocou no Forsyth Barr Stadium, as lágrimas de Tatiana Pinto e de outras colegas contavam a história de todas as futebolistas que lutaram pela modalidade em Portugal, todas as meninas que nunca mais se vão questionar se têm lugar no futebol e todas as mulheres que lutam contra uma sociedade que insiste em escolher em que lugar as colocar.

Terminado o Mundial, o nome de Tatiana continuou nas bocas do mundo e não havia um dia em que, nas redes sociais, os adeptos não perguntassem: Quando é que é anunciado o próximo clube? Antes de viajar para a Nova Zelândia, a portuguesa anunciou o fim do seu contrato com o Levante e só em setembro se soube qual seria o seu novo desafio profissional: O Brighton, da liga mais competitiva da Europa.

“O Brighton é um clube que tem os seus valores muito bem delineados, querem ser top 6, top 4 na liga feminina. Para mim faz todo o sentido estar aqui e poder deixar um bocadinho da minha marca e da marca daquilo que é a jogadora portuguesa num clube que quer dar o salto”, disse à Forbes Portugal já como jogadora do clube inglês.

Tatiana Pinto é o segundo nome na série de entrevistas “Play like a Girl”, da Forbes Portugal. A jogadora falou sobre alguns dos temas que mais marcaram o futebol feminino nos últimos meses.

Como defines a jogadora portuguesa?
Mais do que ser uma jogadora boa tecnicamente, porque é boa tecnicamente, taticamente e fisicamente estamos a melhorar, acho que acima de tudo é a nossa capacidade de tomar decisões inteligentes. Acho que isso é das coisas que se calhar tem mais impacto aqui [em Inglaterra] e que elas [jogadoras estrangeiras] não têm noção, ou porque não conhecem ou porque se calhar há poucas jogadoras portuguesas fora de Portugal. Mas noto que cada vez mais elas nos conhecem, gostam da forma como nós jogamos, nota-se que há entusiasmo, aliás eu tive imensos feedbacks espetaculares depois do Mundial, acho que elas próprias não tinham noção que Portugal é uma seleção boa, uma seleção que quer estar no topo mundial e extremamente ambiciosa. O facto de eu vir para aqui também é muito isso que eu quero fazer, eu vim para aqui com uma ideia muito clara na minha cabeça: Quero abrir portas à jogadora portuguesa. Porque eu sei o quão difícil é. Ainda é difícil que queiram de verdade a jogadora portuguesa em grandes clubes, em grandes ligas. E eu quero abrir portas à jogadora portuguesa tanto no Brighton como na liga. Essa é a minha maior motivação todos os dias, quando não me apetece tanto penso sempre ‘não, eu estou aqui por algo muito maior’. Não é só sobre mim, é algo muito maior do que eu. Essa foi uma das coisas mais importantes que me fez vir para cá, para que a malta aqui abra um bocadinho os olhos e olhe para a jogadora portuguesa com o devido respeito e valor que merece.

O que se sente quando se ouve o hino nacional pela primeira vez num Mundial?
É complicado, é difícil de expressar as emoções que senti naquele momento. São anos e anos das nossas batalhas, e também daquelas gerações que cá estiveram e que lutaram se calhar o triplo do que nós lutámos, mas que não tiveram esta oportunidade. Então foi sentir o peso, a responsabilidade. Nós conseguimos, nós estamos aqui, somos umas privilegiadas por estar aqui, por sermos nós as sortudas de estar a viver este momento, com tanta gente que gostava imenso de estar no nosso lugar. É um bocadinho isso, sentir empatia pelas pessoas todas que trabalham no futebol feminino para que isto pudesse ter acontecido. É o peso da responsabilidade, eu acho, com muita emoção à mistura.

Mudou alguma coisa para vocês desde a participação no Mundial?
Acho que ganhámos ainda mais adeptos. Já tínhamos, é verdade, mas acho que estamos realmente a captar uma grande base de adeptos que se entusiasma com a forma como nós jogamos, que se identifica com o nosso ADN, a emoção que nós transmitimos, as nossas atitudes. No final do jogo nós vamos ter com as pessoas, temos o cuidado de agradecer por terem vindo, e eu acho que isso acaba por lhes tocar um bocadinho. Perdemos um bocadinho do nosso tempo para ir agradecer às pessoas por terem vindo, por nos estarem a apoiar, porque sabemos o que é estar num estádio e ter 100 pessoas. Felizmente agora temos a sorte de encher estádios, ou quase, e sentimos que é diferente, que a energia é diferente e que este apoio todo acaba por nos alavancar e por nos levar ainda mais longe. O feminino é especial nesse sentido, naquilo que toca à proximidade com toda a gente, com todos os géneros e com todas as faixas etárias.

Nenhum dos últimos jogos em Portugal foi num dos maiores estádios do país, achas que foi uma oportunidade perdida numa altura em que as atenções estavam tão voltadas para vocês?
Acho que isso mais cedo ou mais tarde vai acabar por acontecer. Mas acho que tem de ser passo a passo e não nos podemos esquecer que há um ano não tínhamos, se calhar, nem 6 mil adeptos nos nossos jogos. Portanto, acho que tem de ser passo a passo e tem de se ter algum cuidado. Acho que isso naturalmente vai acabar por acontecer, espero que seja mais cedo do que o espectável porque seria muito bom sinal. Também é importante estarmos aqui neste intermédio de termos estádios com capacidade que realmente tenhamos a certeza que vão encher, e depois disso sim chegar aos grandes estádios. Eu tenho toda a certeza de que vamos chegar, é uma questão de tempo e espero que seja para breve.

Um dos temas que marcou o Mundial foi a dificuldade na compra das camisolas de algumas jogadoras. Isso é o normal no futebol feminino?
Sim, isso acaba por ser algo que acontece. Se estamos no Mundial, se o Mundial é visto por milhões e milhões de pessoas, se inclusive o investimento é maior, porquê ainda acontecerem esse tipo de coisas? Para nós não faz muito sentido. Quando se fala de igualdade, as pessoas associam logo igualdade a nível financeiro, mas muitas das vezes quando falamos de igualdade é nesses pequenos detalhes. Porque é que todas as camisolas dos jogadores são vendidas e as das jogadoras é só uma ou duas? Não pode ser, isso não pode acontecer. E isso é igualdade, na minha perspetiva isso também é igualdade. Acho que é uma coisa que efetivamente ainda se tem de melhorar e espero que seja o mais rápido possível porque o futebol feminino está a voar e não há espaço nem tempo para estas coisas que fazem toda a diferença ainda.

O que aconteceu na final do Mundial prova que são necessárias medidas em relação ao assédio no futebol feminino?
É muito, muito triste que um feito tão histórico e tão grande, como aquele que foi a Espanha ter ganho o Mundial depois de tantos anos de luta e de conquistas, tenha sido completamente abafado por uma polémica ou por um ato tão abusivo, tão intrusivo, tão desnecessário e vergonhoso. Em pleno século XXI é inexplicável que coisas destas ainda aconteçam. Acho que sim, que nós jogadoras temos de ser protegidas em relação ao assédio, à homofobia, racismo, todos esses temas. Temos realmente de ser cada vez mais protegidas pelos órgãos responsáveis. E acho que uma das coisas que tem de mudar é que tem de haver mais mulheres no futebol feminino em cargos de muito importância, de muito poder, de muita preponderância e de grandes decisões. Porque infelizmente ainda há muitos homens, muitas das vezes machistas, que estão à frente de grandes entidades e organizações. O exemplo de Espanha é muito prático. É um apelo a todas as mulheres jogadoras, ex-jogadoras, dirigentes: Venham para o futebol feminino, nós precisamos de mulheres e de mulheres apaixonadas pelo futebol feminino, que queiram fazer diferença e que queiram fazer com que as coisas andem para a frente. E lutem pelos nossos interesses acima de tudo.

Como foi para ti crescer com a ausência de uma referência e como é que lidas com a responsabilidade de ser essa pessoa para as mais novas?
Para mim e, para quase todas as minhas colegas, essa foi uma realidade que nos acompanhou ao longo do tempo, a de crescer sem referências no futebol feminino. Mudar esse paradigma tem sido desafiante, mas é uma responsabilidade que abraçamos com muito carinho e naturalidade. Somos umas privilegiadas e o mais bonito de tudo é conseguirmos inspirar as gerações mais novas e as mulheres do nosso país. Incentivar a sonhar em grande. No futebol, no desporto e em qualquer área. A grande missão é empoderar para criar um futuro melhor para as mulheres na nossa sociedade.

Qual é o legado que queres deixar no desporto?
É difícil. Acima de tudo eu quero deixar uma boa imagem daquilo que é a jogadora portuguesa, da mentalidade que podemos ter, da disciplina, da paixão que temos, da inteligência que também temos e que as pessoas talvez ainda não conheçam. Mas acima de tudo, no Mundial eu li uma frase muito gira que diz: “Aspire to inspire others and the universe will take note”. É mesmo isso. Acho que o meu grande propósito é aspirar para inspirar as pessoas, as gerações mais novas a não desistirem, a irem à luta, a quererem ser melhores todos os dias. Acho que se deixar isso vou ser uma pessoa muito feliz quando deixar o futebol, se deixar esse legado.

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