Opinião

Tróia Bioblitz: um exercício para tentar compreender quão complexa é a estrutura do ecossistema

Francisco Andrade

Desde há mais de 20 anos que uma equipa de biólogos da Faculdade de Ciências (Universidade de Lisboa) tem vindo a descobrir, estudar e acompanhar a biodiversidade em Tróia. Por isso, temos agora um grande conjunto de dados, organizados em extensas listas de espécies, que demonstram a grande biodiversidade natural nesta península, de diferentes grupos terrestres, de fauna, desde os insetos às aves, ou de flora, desde líquenes a árvores de grande porte.

Ao mesmo tempo, ao longo da margem estuarina de Tróia, banhada pelo Sado, encontrámos e estudámos habitats diversos, onde vasas, areias e calhaus se misturam e são povoados, muito densamente, por conjuntos diversificados de espécies, mais uma vez de fauna e flora, bem adaptados a cada um desses habitats.

No entanto, uma simples lista de espécies não diz tudo sobre o ambiente natural de Tróia. Há que reconhecer e conseguir “ler” essas espécies, das mais comuns às mais raras e difíceis de encontrar. Há que perceber o que a sua presença e abundância relativa nos dizem, desde logo, sobre o seu nicho ecológico e a forma como o exploram e como interagem com tudo o que as envolve, do clima ou do solo onde se instalam, às espécies com que interagem. Vamos encontrar plantas que parasitam outras; insetos que contribuem para a morte de pinheiros; aves que viajam milhares de quilómetros para passarem um inverno menos agreste ou para se reproduzirem na primavera; ervas cujo pólen é transportado pela água do mar e corais moles que brilham no escuro.

Por outro lado, uma espécie exótica, proveniente de outra região e que nada tenha a ver originalmente com Tróia, não constitui um “contributo” significativo para a biodiversidade local e se, além disso, assumir um comportamento invasor irá, pelo contrário, contribuir para uma perda de biodiversidade. É o caso das acácias ou do chorão, de insetos que acabam por constituir pragas, ou de um novo caranguejo recentemente introduzido no Sado.

Nos próximos dias 25, 26 e 27 de Abril, o que vamos fazer é, acima de tudo, levar quem nos quiser acompanhar, à descoberta da enorme diversidade de espécies presentes em Tróia, em diferentes ambientes e a diferentes horas do dia, tentando assim compreender quão complexa é a estrutura do ecossistema que a restinga de areia de Tróia constitui, como esse ecossistema se tem vindo a comportar e a evoluir, sobretudo ao longo das últimas décadas, e em que direções ele poderá avançar num tempo de alterações tão rápidas como aquele que vivemos.

Sobretudo, numa lógica de compromisso para com o futuro, é nossa missão estimular a ciência cidadã, um conceito que fomenta a partilha e a aquisição de conhecimento através de uma interação que permite ao cidadão aprender e apreender realidades presentes na natureza, ao mesmo tempo que é parte integrante de um processo científico necessário e fundamental para a continuidade das espécies observadas.

Francisco Andrade,
Investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente

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